Vignette - Os Harrier GR.3 da RAF nas Falklands

HMS Hermes, Atlântico Sul, 13 de Junho 1982 (Episódio 20)

“O dia começou com a informação de que outra ofensiva contra Stanley tinha ocorrido durante a noite. O John Rochfort e eu fomos seleccionados com uma missão algo periclitante muito antes do briefing da manhã. As Operações tinham descoberto aviões de transporte C-130 Hércules Argentinos na pista do aeródromo em Stanley. O objectivo da nossa missão era atacá-los com rockets antes do amanhecer. Eu e o John ficamos entregues de descortinar os pormenores da execução, e não gostávamos nem um bocadinho daquilo que nos esperava. Há muito que tínhamos esgotado aproximações tácticas novas a Stanley, mas ordens são ordens. Planeamos a missão, fizemos o briefing e aguardamos nervosamente pela autorização para descolar. Passada uma hora disseram-nos que a missão tinha sido cancelada – os Sea Harrier iriam abater os Hércules assim que descolassem. Infelizmente, a Marinha fez asneira. Enviaram um par de Sea Harrier para a área, á espera dos Hércules, mas lançaram o segundo par (para render o primeiro) demasiado tarde – e o Hércules escapuliu-se no intervalo. Desejei-lhes boa sorte. Muito mais tarde descobrimos que pelo menos oito C-130 passaram por Stanley nessa noite, e muitos dos voos foram de evacuação de feridos. Deveríamos ter compreendido essa situação mais cedo, no entanto, nesta fase da guerra, o cansaço e desgaste físico e psicológico era imenso – já não conseguíamos raciocinar direito.”


Um C-130 Hércules Argentino aproxima-se para aterrar nas Falklands. O contributo destas tripulações para o esforço de guerra foi absolutamente fenomenal. Trouxeram suprimentos vitais para as isoladas forças Argentinas em voos nocturnos a baixíssima altitude, evacuaram feridos para o Continente e ainda executaram perigosas missões de vigilância, mesmo até os últimos dias do conflito – tudo debaixo do nariz da Task Force da Royal Navy.

“Depois de mais algumas missões canceladas finalmente fomos requisitados para usar as bombas guiadas por laser em conjunto com o LTM (Laser Target Marker). Recebemos informação que, finalmente, um FAC (Forward Air Controller) estava em posição perto de Stanley com um LTM perfeitamente operacional, com bateria carregada e com rádio! O “Boss” descolou com o objectivo de destruir o quartel-general de uma companhia argentina. Fez dupla com o Mark e chegaram ao Ponto Inicial sem problemas. No primeiro ataque o FAC fez asneira, disparou o laser demasiado cedo, o que causou com que a bomba caísse “curta”. (Tínhamos avisado os FACs especificamente para este problema.) No segundo ataque tudo correu na perfeição e a LGB atingiu o alvo em cheio. Finalmente, conseguimos colocar a funcionar as LGB!

Logo de seguida, eu e o Beech recebemos ordem para atacarmos posições de artilharia no monte Tumbledown. Descolei com duas Paveway e o Beech actuava como um vigia de SAMs. Ao chegar perto do alvo o FAC alterou o Ponto Inicial que eu tinha planeado, por isso agora tinha de confiar nele completamente – não havia tempo para recalcular as aproximações em voo. Ao passar pelo novo Ponto Inicial percorri, durante uns momentos, paralelo a uma estrada onde conseguia ver vários veículos. Sem informações recentes sobre a localização das frentes de batalha não tinha certeza se eram tropas Inglesas ou Argentinas. E era desconcertante ver soldados saltar dos veículos e a apontar armas contra mim – mas não podia executar manobras evasivas, iria estragar a aproximação ao alvo. Executei uma subida suave, estabilizei por um momento e lancei a bomba; “bomba a caminho!”, gritei no rádio para o FAC. Virei á esquerda e, por uns instantes, voei em formação cerrada com aquela Paveway de aspecto ameaçador. Via claramente os rápidos movimentos do sensor no nariz a procurar ansiosamente pelo reflexo laser codificado. “Toca a sair daqui”, pensei eu, mergulhei para o monte mais próximo e fugi para Oeste. O Beech, como tínhamos combinado, voou sempre a cobrir as minhas “seis horas”. Não houve nenhum lançamento de SAM. “Líder Verde, mesmo na mouche! Grande tiro!”, foi a resposta do FAC. Repeti a manobra mas a segunda bomba caiu um pouco “curta”. Mas, o mais importante, o alvo foi atingido e destruído no primeiro ataque."


Finalmente, no dia 13 de Junho, o No. 1 (F) Squadron conseguiu fazer bom uso das bombas Paveway. O resultado foi surpreendente, a precisão e a facilidade de utilização deixou os pilotos dos Harrier maravilhados – além de tornar as missões de ataque muito menos perigosas. Desde que o FAC no solo designasse o alvo com um LTM, o Harrier podia lançar a bomba a média altitude, fora do alcance das armas AA ligeiras, e o sensor no nariz da Paveway fazia o resto.

"Não houve mais missões nesse dia e eu e o Beech regressámos ao Hermes ás 20h00. Nessa noite o ambiente e a disposição geral do pessoal do 1(F) Squadron era excelente. Tínhamos um stock substancial de LGB (se tivéssemos conseguido colocar a arma em serviço mais cedo…) e o futuro das nossas missões de ataque era um mar de rosas. A partir de agora, qualquer alvo que os FACs designassem, nós conseguiríamos atacá-lo com uma precisão devastadora. Depois de semanas a “arranhar” com armas inadequadas contra pequenos alvos camuflados impossíveis de ver, finalmente agora iríamos fazer o nosso trabalho devidamente - e com menores riscos para nós próprios.

Uma sequela deste ataque no monte Tumbledown ocorreu muitos meses depois em Londres numa reunião de veteranos das Falklands. Representantes de todos os Serviços estavam presentes e meti conversa com um grupo de NCOs dos Scots Guards. Mencionei o meu ataque com bombas laser no dia 13 de Junho no monte Tumbledown e descobri que eram eles os soldados que sobrevoei na aproximação ao alvo. Um deles disse-me alegremente;

“Oh sim, éramos nós Sir! Disparámos todos contra o seu avião – nos dois ataques!”
“Era prática corrente no Batalhão; se virem um avião a lançar uma arma – abram fogo!”

O facto da minha LGB se dirigir contra um alvo vários quilómetros á frente, na direcção dos Argentinos, aparentemente não fazia nenhuma diferença… Depois dos ataques que sofreram em Bluff Cove as nossas tropas não corriam riscos; na dúvida, abriam fogo sobre qualquer avião!"


Royal Marines posam para a foto algures nas Falklands. Como os pilotos dos Harrier do No. 1 (F) Squadron descobriram mais tarde, era prática corrente, nos dias finais do conflito no cerco a Stanley, os soldados dispararem contra qualquer avião que largasse uma arma. “No hard feelings…”

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HMS Hermes, Atlântico Sul, 14 de Junho 1982 (Episódio 21)

“No briefing da manhã soubemos que os ataques a Stanley continuaram sem parar durante toda a noite e antecipávamos que mais ataques com bombas guiadas por laser seriam pedidos assim que possível. O Ross Boyens e o McLeod foram os primeiros a descolar e rumaram á pista improvisada em San Carlos onde aguardaram por pedidos de apoio aéreo. A seguir o Pete Harris e o Nick Gilchrist saíram para atacar um alvo em Sapper Hill com LGBs. Enquanto tudo isto decorria ouvimos na ponte de comando do Hermes notícias electrizantes; ordens para suspender imediatamente todas as missões ofensivas porque um processo de rendição estava em progresso! O Pete estava prestes a iniciar a largada da sua bomba quando o FAC (Forward Air Controller) avisou;

“Espera! Consigo ver bandeiras brancas na zona do alvo. Sim, estão-se a render – é melhor cancelar isto!”

O Pete regressou, ainda armado com 1200kg de bombas guiadas por laser. Antes do lançamento calculamos cuidadosamente os parâmetros das aterragens verticais e, com a temperatura e pressão actual, era possível aterrar no porta-aviões com as LBG – á justa. Já tínhamos desperdiçado tantas Paveway, por isso, era importante trazê-las de volta sempre que possível. Desde a ponte de comando vi a aterragem imaculada, com peso máximo, do Pete. O Pete sempre foi um bom piloto. Como esperado, não recebemos mais missões para o resto do dia e o Ross e o McLeod receberam ordem para regressar ao Hermes. Estava feito: acabou-se a artilharia anti-aérea, acabaram-se as manobras para fugir aos SAMs – pelo menos por agora. Noticias chegavam a cada minuto, não restavam dúvidas que a guerra estava acabada. As reacções entre o nosso pequeno grupo de pilotos de Harrier e Sea Harrier eram diversas. Alguns ficaram imediatamente mais aliviados mas outros demonstravam dificuldade em desanuviar para uma atitude mental de tempo de paz. Todos tínhamos passado por situações de risco extremo e pairava um grande sentimento de frustração – podíamos ter feito muito mais (missões, alvos atacados e destruídos) se a Marinha tivesse deixado. Mas, no momento, a nossa ênfase iria mudar de ataque ao solo para a fácil missão de defesa aérea, missão que tínhamos treinado na Inglaterra antes de embarcar. Nessa noite, como podem imaginar, houve uma grande celebração no bar do porta-aviões. No entanto, não tínhamos certeza se na manhã seguinte receberíamos alguma missão de ataque na Falkland Ocidental."


O HMS Hermes na companhia de uma fragata da classe Broadsword, um dos elementos fundamentais para escoltar e garantir a segurança do precioso porta-aviões. Pormenor curioso nesta foto é a posição dos lançadores de mísseis Sea Wolf apontados para estibordo (direita, para nós mortais), claramente numa posição pronta para responder a qualquer ameaça aérea.

"No dia seguinte o vento forte transformou-se numa tempestade, chegando a nível 11 em certos momentos. Da segurança da ponte de comando do porta-aviões víamos ondas gigantes a avançar, uma a seguir á outra, cada uma do tamanho de um campo de futebol. A super-estrutura de 26000 toneladas do Hermes gemia e vibrava como um barco á vela, com o martelar das ondas e o assobio das rajadas de vento claramente audíveis através do grosso e forte vidro das janelas. Todas as operações de voo foram suspensas, excepto alguns corajosos marinheiros que deambulavam entre os aviões para assegurar que estavam bem presos o convés. A nossa fiel fragata Tipo 22 manteve-se sempre ao nosso lado como um confiável cão de guarda, com o seu esbelto casco a voar de onda para onda. A enorme ondulação permitia que vislumbrássemos mais de um terço da quilha acima da linha de água para, logo a seguir, a proa mergulhar e afundar a ponte abaixo da linha de água! O preço a pagar por um pequeno barco num Oceano enorme?

Tudo o que podíamos fazer era sentar, relaxar e ouvir os relatórios da Intelligence. Ao fim do dia estava confirmado que todas as forças Argentinas nas Falklands se tinham rendido, portanto todas as missões de ataque estavam suspensas indefinidamente. Agora o objectivo operacional era defender as ilhas contra um eventual ataque aéreo de retaliação vindo da própria Argentina – nesse sentido, os nossos Harrier GR.3 foram equipados com mísseis Sidewinder. Claro que nada fora do normal aconteceu, os Argentinos estavam tão fartos desta guerra como nós. No início de Julho houve uma espécie de show aéreo sobre Stanley, onde liderei uma formação de cinco Harrier atrás de onze Sea Harrier e seguidos de vários helicópteros. A seguir passamos um curto período nas Falklands, onde visitamos vários dos locais onde apenas uns dias antes tínhamos largado bombas e rockets. As carcaças de aviões Argentinos espalhados por todo o lado atestavam a ferocidade dos combates. No aeródromo em Stanley não deixei de reparar nas “nossas” inúmeras bombas semi-enterradas, assim como alguns contentores de submunições intactos e rockets – mais provas da fraca prestação das nossas armas e das nossas tácticas. Fomos expressamente avisados para não tocar em nada, os Argentinos deixaram muitas minas e armadilhas engenhosas para nós…"


Um C-130 Hércules da RAF aterra no provisoriamente reparado aeródromo de Port Stanley. O espesso manto de neve atesta a descida das temperaturas desde o início do processo de rendição. Foi a bordo destes aviões que os pilotos e restante pessoal do No. 1 (F) Squadron regressaram a Inglaterra (via Ascensão).

“Foi grande o alívio quando, passados alguns dias, recebemos informação que um C-130 Hércules iria aterrar pela primeira vez em Port Stanley, não só para trazer mantimentos e pessoal fresco mas também para nos devolver a casa! Quando o piloto do C-130 se queixou que não conseguia ver a pista no meio de tanta neve, um dos pilotos do recém-chegado No. 3 Squadron gentilmente se ofereceu para pegar num Harrier e executar uma passagem a rente ao asfalto para limpar a neve! O voo de regresso á Inglaterra, que começou com o que seria uma desgastante maratona de 14 horas num barulhento, trepidante e desconfortável C-130 até á ilha de Ascensão, foi um bálsamo de tranquilidade. Para mim, o infindável trovejar dos motores durante a noite foi uma catarse, era o que eu precisava para desanuviar de algumas das memórias mais caóticas dos meses recentes. Iria demorar bastante tempo até assentar no meu estado mental normal. A melhor memória que guardo desse voo foram os longos períodos na parte de trás do cockpit do C-130 a apreciar o céu estrelado nocturno enquanto me embebedava sossegadamente com café, generosamente regado com rum, na companhia de um Coronel dos Royal Engineers…”

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RAF Wittering, Cambridgeshire, Agosto-Setembro 1982 (Episódio 22) (Penúltimo)

“Quando nós, pilotos de Harrier, chegamos á Inglaterra recebemos uma recepção VIP. Fomos arrastados de entrevista em entrevista – lembro-me vagamente de falar com um jornalista do canal ITN, episódio que permanece nublado na minha mente – e todos desejavam dar-nos os parabéns. Nunca me esquecerei da esplêndida e calorosa festa de boas-vindas que as nossas desgastadas famílias prepararam. Depois de três meses de tensão estava ansioso de gozar as duas semanas de licença prometidas pelo comando. Estava-se mesmo a ver! Poucas horas depois de chegar a casa o telefone começou a tocar. Recebi um telegrama da RAF – literalmente com um metro de comprimento – que continha apenas os TÍTULOS dos assuntos sobre os quais eu deveria comentar para o relatório do 1(F) Squadron nas Falklands! “Esperamos que não perturbe a sua licença…”, disseram eles. Como sempre o HQ do Strike Command queria o relatório final para ontem por isso tinha de me sentar e começar a escrever quanto antes. O “Boss” tinha ficado nas Falklands para ajudar a malta do 3(F) Squadron na transição de responsabilidades, por isso, estava por minha conta. O telefone tocava a toda a hora; familiares e amigos, próximos e distantes, ligavam felizes por eu ter sobrevivido e pelo excelente trabalho que fizemos lá em baixo. Chamadas menos agradáveis eram as da base de Wittering, a requisitar uma miríade de coisas e informações e com pedidos do género; “espero que não te importes, mas confirmamos a tua presença como convidado de honra nesta palestra ou naquela organização”. Com todo este trabalho a acumular comecei a desejar nunca me ter envolvido nesta guerra."


O regresso triunfal a Inglaterra do navio-almirante da Task Force, o HMS Hermes, no dia 21 de Setembro de 1982. O aspecto não deixa dúvidas, o navio parece mesmo que “veio da guerra”. Sujo, cansado e a precisar de reparos e atenção, o fiel Hermes, lançado ao mar em 1953, foi a “casa” dos Harrier GR.3 da RAF durante todo o conflito. Os pilotos chamavam-lhe; Rat Infested Rust Bucket

“A gota de água surgiu quando um sujeito do Hospital me ligou a ordenar que fosse imediatamente á base da RAF em Ely para fazer um raio-X á espinha dorsal. O departamento médico estava furioso por eu ainda não o ter feito. Explodi e enchi a cabeça ao desgraçado que me ligou; disse-lhe que era um abuso perturbar a minha licença com assuntos triviais e, ainda por cima, com toda a papelada que ainda tinha de tratar. Senti-me melhor depois deste desabafo mas escrever o relatório demorou as duas semanas inteiras de “licença”. Eventualmente fui á base em Ely e fui examinado por um arrogante Capitão que foi bastante contundente em me repreender por continuar a voar após uma ejecção sem o raio-X. Expliquei-lhe que havia uma guerra em curso na altura… Ele não gostou da minha atitude e perguntou-me se eu já tinha ouvido falar em stress pós-traumático. Foi a primeira vez que ouvi essa expressão. Terminei a conversa rapidamente antes que dissesse alguma coisa que me arrependesse depois. Não tinha nenhuma intenção de ser “entrevistado” sobre esses assuntos. Infelizmente os médicos não desistiam facilmente e acabei por ser visitado por vários deles em Wittering, onde tentavam usar-me como rato de laboratório para testar as teorias da treta deles.”


As boas-vindas ao HMS Invincible não foram menos apoteóticas, conforme esta foto de 17 de Setembro bem atesta. Curioso que os Argentinos afirmaram (várias vezes) que afundaram este porta-aviões, aliás, alguns continuam a insistir nessa narrativa ainda hoje! Portanto, ou esta foto ou é uma excelente montagem (assim como todas as fotos e visualizações desde então) ou estamos perante um…navio-fantasma. Este é o perigo de acreditar cegamente na própria propaganda e negar as provas ou a realidade…

"Mais tarde vi a versão final do relatório sobre a Operação Corporate produzida pelo HQ Strike Command. Nas 50 páginas eram detalhados os feitos dos oficiais do Estado-Maior, das tripulações dos aviões-tanque, dos Nimrod, Hercules e Vulcan (só estes últimos é que realmente se expuseram a fogo inimigo), os esforços dos Harrier GR.3 do nosso esquadrão ocupavam menos de duas páginas. Mais irritante na altura era o aparente muro de silêncio da comunidade de pilotos de ataque da RAF. Apesar de eu ter sido requisitado para dar palestras em clubes, escolas, universidades e fábricas, NEM UM esquadrão de ataque ou base convidou a mim, ou qualquer outro colega do 1(F) Squadron, para falar sobre a nossa experiência na guerra. Para ser justo, houve uma pequena conferência em Wittering, com a participação de algumas personalidades do Estado-Maior e representantes de outras bases, mas sem nenhum suporte escrito sequer. Esta aparente falta de interesse dos restantes pilotos da RAF confundiu-me durante uns tempos; na altura não pensei muito, até porque estava com a agenda repleta de compromissos, entrevistas e palestras. Eu não tinha um gosto particular em gabar-me sobre a minha participação na campanha nas Falklands mas pensava, ingenuamente, que os restantes pilotos e esquadrões de ataque e bombardeiros da RAF gostariam de ouvir todos os detalhes sobre as tácticas e problemas encontrados debaixo de fogo real. Tendo em conta que esta era a primeira vez que qualquer avião de ataque ou reconhecimento da RAF enfrentava armas anti-aéreas modernas. Foi também nas Falklands que usamos pela primeira vez em combate contentores de submunições, bombas guiadas por laser, bombas retardadas ou pods de reconhecimento. Eventualmente, cheguei relutantemente á conclusão de que era um caso típico de “inveja profissional”. Senti que os pilotos e esquadrões de Harrier, Jaguar, Buccaneer e Tornado que não participaram na guerra simplesmente não queriam nenhum contacto connosco – não fosse a nossa experiência e conclusões colocar em causa a forma deles fazerem as coisas. Se foi mesmo este o motivo, então toda a guerra nas Falklands foi uma experiência desperdiçada para todos os elementos de ataque e reconhecimento da RAF.

Ah, antes que me esqueça: entre os montes de papelada, recebi um longo e detalhado questionário sobre o meu estado de espírito no teatro de guerra. Notei que este estudo era da responsabilidade do departamento médico da Royal Navy, e deu-me particular satisfação descrever que o pior impacto na minha moral em combate foi atitude tenebrosa dos Oficiais da Marinha…"

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RAF Wittering, Cambridgeshire, Outubro 1982 (Episódio 23) (Último)

“O regresso do nosso esquadrão a Wittering em finais de Outubro de 1982 culminou um ano de enorme actividade. Anos de treino intenso na implacável escola da “Harrier Force RAF” capacitou-nos para executar o nosso trabalho numa guerra real e sobreviver contra todas as possibilidades. Mas foi renhido. Depois de onze dias de operações 50% dos nossos aviões tinham sido abatidos – dois dos pilotos sobreviveram por uma unha negra. Até aos derradeiros dois dias finais de operações não dispusemos de armas “inteligentes” para efectuar ataques a uma distância relativamente segura. Fomos obrigados a confiar em ataques a baixa altitude tradicionais, tácticas que já se tinham mostrado demasiado onerosas em aviões e tripulações no Vietname. No fim desse conflito os Americanos concluíram que sobrevoar alvos bem defendidos era demasiado arriscado e investiram rios de dinheiro em “armas inteligentes”, com elevada precisão e permitindo ao avião lançador alguma segurança. Ao mesmo tempo, aumentaram o já substancial investimento em equipamento de guerra electrónica. No entanto, nesta altura, princípio dos anos 70, a RAF foi no sentido oposto; apostou sem reservas na combinação Tornado/JP233 como única forma de ataque a aeródromos. Muitos de nós, no “negócio de ataque ao solo”, avisámos que esta era uma política errada e os resultados foram bem evidentes nas Falklands e, alguns anos mais tarde, na guerra do Golfo em 1991. No meu entender, este foi apenas mais um exemplo da recorrente falta de visão da RAF e da avareza na compra e desenvolvimento de armas. A preocupação máxima do Estado-Maior era de dispor do maior número possível de aeronaves – se eram ineficientes e equipadas com armas inferiores, pouco importava…”


“O meu maior arrependimento foi não ter sido permitido ao No 1(F) Squadron participar nas relaxadas missões de superioridade aérea. A maioria de nós teria dado um braço pela oportunidade de combater contra um Skyhawk ou Mirage Argentino, mas tal não aconteceu, a Navy açambarcou a acção toda para eles. Os nossos Harrier GR.3 poderiam ter sido armados com Sidewinders para apoiar os Sea Harrier nas alturas de maior pressão ofensiva dos Argentinos – esses mísseis não degradavam minimamente a performance. Isto não causou nenhum mal-estar entre nós e os pilotos dos Sea Harrier na altura mas permaneceu um forte sentimento de que “nós apanhámos com a maioria das balas – eles ficaram com toda a glória”.

"Se fosse feito um relatório honesto e sério sobre as capacidades da aviação de ataque ao solo da RAF e da Royal Navy nos anos 70/80, estas seriam as perguntas a fazer às chefias respectivas (a maioria das quais nunca voou num avião de ataque operacionalmente);

Com que regularidade os pilotos dos seus esquadrões praticam atingir um alvo realístico (ou seja, camuflado) com uma carga de armas realística (ou seja, com a carga máxima numa missão operacional)?
Resposta Honesta: Nunca.

Muito bem, com que regularidade atingem os pilotos o alvo…na primeira passagem nas missões de treino?
Resposta Honesta: Bem…poucas vezes.

Então, qual é a probabilidade que dá aos seus pilotos de destruir o alvo em missões reais?
Resposta Honesta: Bem…pouca.

E porque não faz alguma coisa para alterar este cenário?
Oh, vamos mudar de assunto.

No fundo, a guerra das Falklands foi ganha devido á disponibilidade de armas fiáveis e de alta tecnologia dos EUA. No AIM-9L Sidewinder, a nossa defesa aérea dispôs de uma arma fiável, simples de usar, literalmente á prova de idiotas, e com uma eficácia (demonstrada) superior a 90%. Esta performance não teve paralelo em qualquer outro sistema de mísseis no teatro operacional. A bomba guiada por laser Paveway mostrou-se devastadoramente precisa e poderia ter revolucionado as nossas missões de ataque caso o seu potencial fosse reconhecido atempadamente pelas chefias. Pela mesma medida, a guerra quase foi perdida por causa de armas Inglesas de defesa aérea pouco fiáveis e obsoletas. Como um Almirante admitiu mais tarde; “Foi por muito pouco. Se tivéssemos perdido um dos porta-aviões teríamos de regressar todos a casa.”

"Para grande felicidade nossa os Argentinos cometeram um erro estratégico irrecuperável ao iniciar a guerra na data escolhida. Se tivessem esperado mais umas semanas, teriam recebido mais umas dúzias de mísseis Exocet vindos de França – e permitiriam mais tempo aos seus pilotos para treinar – e teriam feito picadinho da nossa frota logo no primeiro dia do conflito. Sabíamos que éramos os únicos pilotos devidamente treinados para executar as difíceis missões de ataque aéreo a baixa altitude e reconhecimento – mas a Navy simplesmente recusou-se a ouvir-nos. Poderíamos (e deveríamos) ter feito muito mais missões de reconhecimento fotográfico e recolher informação vital do campo de batalha – coisa que os nossos homens no terreno necessitavam desesperadamente. A Navy demonstrou a sua total ignorância ao não equipar o HMS Hermes com as mínimas instalações e equipamento essencial para os que os analistas fotográficos processassem e distribuíssem a informação o mais rápido possível. Pior, as chefias no porta-aviões – que não percebiam népia sobre reconhecimento – nem sequer confiavam nos analistas fotográficos para interpretar os filmes, especialidade para o qual foram soberbamente treinados.

De volta a Inglaterra, fiquei muitas vezes nauseado pela forma como a máquina de relações públicas da Royal Navy vangloriava-se por quase todos os aspectos positivos da operação. Houve até relatos errados na imprensa de missões de ataque feitas pelo No 1(F) Squadron erradamente atribuídas aos Sea Harrier (Curiosamente, nenhum avião Argentino abatido foi “erroneamente” atribuído aos nossos Harrier GR.3 em retorno….). Uma análise detalhada feita pela RAE Farnborough no pós-guerra demonstrou que os nossos Harrier executaram 130 perigosas missões de ataque ao solo (com apenas um punhado de aviões) face a 19 dos Sea Harrier – mas pouca gente prestou atenção.

Este breve sumário acaba por ser até demasiado lisonjeiro para as chefias da Royal Navy. Do meu ponto de vista, o seu efeito foi essencialmente negativo. Não fizeram sequer um esforço em esconder o desprezo e hostilidade contra a RAF e trataram-nos com a mesma consideração dada a um projéctil de canhão. Para nós, pilotos, isto causava frustração e fúria por não nos deixarem fazer o nosso trabalho, e a nossa maior preocupação a cada manhã não eram as acções do inimigo mas, “O que é que aqueles palhaços da Marinha vão inventar hoje?”

Nos meses a seguir á guerra pensei muito se tudo tinha valido a pena. Eu não era um militar de carreira e certamente não era daqueles velhos conservadores ansiosos de defender o “Império” de qualquer ameaça. Toda a vida fui um cínico e desconfiado e nem sequer sentia grande apego pelos habitantes das Falklands. Os poucos que conheci eram simpáticos lavradores, gratos mas algo embaraçados por todo o incómodo e sacrifício feito no nome deles. Não era caso para travar uma guerra, certo? No entanto…
Mais tarde, ouvi um relato da BBC na rádio sobre a experiência de uma mulher das Falklands na altura da invasão. Contou que o seu marido foi “detido” e arrastado por uns exaltados soldados Argentinos que o forçaram a colocar-se de joelhos e encostaram-lhe uma espingarda á cabeça. Ela tinha a certeza que o iam matar. Ela abriu as janelas e colocou a tocar o vinil Land of Hope and Glory, para que a última coisa que o marido ouvisse fosse aquela melodia. Por fim, o homem acabou por ser solto ileso. Esta história, mordaz e acutilante, mudou muitas das minhas opiniões – hoje sou menos cínico. Quem sabe? Na vida militar, demasiada introspecção pode ser contra-produtiva. Afinal, o objectivo principal é apreciar o prazer de voar e sobreviver para gozar a reforma.


Não há dúvida que o sucesso dos Sea Harrier na campanha das Falklands foi merecido e plenamente justificado. Certamente, para nós, entusiastas da aviação, a expressão “guerra das Falklands” traz á mente fotos como esta, ou dos incontáveis artigos, documentários e livros sobre os combates aéreos dos Sea Harrier (apelidados, supostamente, de “morte negra” pelos Argentinos). Quantos de nós se lembrariam da importante participação dos Harrier GR.3 nesse conflito? Ao ler esta história do piloto Jerry Pook da RAF entendemos um pouco melhor porquê…

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Ao deambular num artigo sobre documentos desclassificados da guerra das Falklands deparo-me com esta foto de 30 de Maio de 1982.

O Harrier GR.3 do piloto Jerry Pook a bordo do HMS Hermes momentos antes de ser lançado na missão onde acabou por ser abatido.
Nos episódios 15-16 da Vignette sobre a participação dos Harrier da RAF no conflito descrevi, segundo as palavras do próprio, a fatídica missão.

Ah, sabiam que houve uma proposta da US Navy de “alugar” o porta-aviões USS Dwight D. Eisenhower aos Ingleses caso sofressem a perda do HMS Invincible ou HMS Hermes?​