Vignette - Os Harrier GR.3 da RAF nas Falklands

As batalhas aéreas no conflito pelas ilhas Falklands (Malvinas) em 1982 invariavelmente trazem á mente imagens dos ameaçadores Sea Harrier cinza-escuros da Royal Navy a perseguir os Mirage e Skyhawk argentinos. Mas outro tipo de guerra ficou reservado para um pequeno grupo de 8 pilotos da RAF do No. 1 (F) Squadron que partilharam os mesmos porta-aviões dos colegas da Navy mas aos comandos dos Harrier GR.3 e que desempenharam difíceis e perigosas missões de ataque ao solo e reconhecimento. Muitas vezes minimizados e mal utilizados (alguns diriam mesmo, abusados) pelos oficiais da Royal Navy, que não compreendiam as capacidades do Harrier e recusavam-se a ouvir as pessoas que as compreendiam. Em comparação, as defesas antiaéreas argentinas eram um problema menor. Após a guerra foram esquecidos pelo público em geral, ofuscados pelo glamour dos pilotos de caça dos Sea Harrier, mas a verdade é que os pilotos dos Harrier da RAF tiveram um impacto decisivo nas batalhas mais importantes em terra, como a de Goose Green.

Mas estamos a adiantarmo-nos na história. Antes de lutar pela ilhas Falklands era necessário chegar até lá e no caso dos pilotos dos Harrier isso iria envolver, numa primeira fase, um longo voo desde a base da RAF em St Mawgan até á ilha de Ascensão no Atlântico Sul, uma distância de mais de 6700km, apenas possível graças ao recurso abundante do reabastecimento em voo. Durante vários dias de 24 horas ininterruptas de actividade frenética nas oficinas do esquadrão, os Harrier foram alvo de manutenção profunda e equipados com sistemas de ECM, compatibilidade com o AIM-9 Sidewinder, ajustes nos rádios, etc, etc. Ao mesmo tempo, todos os pilotos necessários foram chamados; desde aqueles que ainda não tinham terminado os seus cursos até outros que foram “convidados” a regressar de férias, de reforma recente ou de outros esquadrões. O Squadron Leader Jerry Pook conta mais pormenores;

RAF St Mawgan, Cornualha, 1 de Maio 1982 (Episódio 1)

“Depois do briefing fomos tratar da longa preparação para o voo de 9 horas que nos aguardava. Se o piloto não tiver bom senso um voo deste género a bordo de um avião com um cockpit tão apertado como o do Harrier pode criar uma quantidade enorme de problemas. Em relação ao reabastecimento em voo (teríamos de fazer pelo menos 12 contactos), tudo seria bastante rotineiro – excepto se encontrássemos mau tempo. Antecipando eventuais problemas técnicos, preparamos uma dúzia de aeroportos de diversão na costa da Europa e África. Em voo, o maior inimigo iria ser o tédio, e cada piloto levava o seu próprio pequeno kit de cassetes e livros para se entreter. Como outros equipamentos electrónicos do Harrier, o leitor de cassetes produzia uma qualidade de som atroz, por isso nunca pensei levar cassetes de musica. A minha preferência eram gravações de programas de rádio e comédias como o Goon Show e Hancock mas também levava um livro do Clive James para ler entre reabastecimentos. O Harrier GR.3 não tinha piloto automático mas era possível ajustar o avião suficientemente bem para permitir ler em voo. Mas os nossos maiores preparativos envolviam a comida e a bebida, sendo uma base “pesada” St Mawgan tinha muita escolha de qualidade nos alimentos. (A situação era muito diferente em Wittering e outras bases tácticas por onde passei, onde o fornecimento de comida decente para as tripulações era uma prioridade muito baixa; uma sandes de carne e uma maçã era o máximo que se poderia esperar.) Apesar de dispormos de “sacos-chichi”, eram quase impossíveis de usar. A minha técnica era beber muito durante o dia mas parar completamente 3 horas antes do voo; depois tinha de urinar o mais possível nessas 3 horas. Em voo, não iria beber nadinha até começar a sentir os efeitos da desidratação. Assim, iria conseguir completar o voo sem grandes agonias na bexiga."


O voo desde a Inglaterra até á ilha de Ascenção (uma distância de mais de 6700km) obrigou a uma enorme logistica e um planeamento cuidadoso.

"Após uma interminável espera na pista, a descolagem da nossa formação decorreu sem problemas. Como era típico nos caças da RAF não exista nenhuma arrumação nos minúsculos cockpits, o que não conseguíamos carregar nos bolsos do fato ia cuidadosamente espalhado em qualquer ranhura existente; mapas, cassetes, livros, caixas de comida e garrafas cobriam instrumentos e vários interruptores que esperámos não ter de accionar com muita rapidez… As condições climatéricas foram gloriosas durante a maior parte da rota, voámos sobre vastas formações de cumulus que se estendiam do horizonte em todas as direcções. A 10.000 metros os nossos Harrier eram pequenos pontos suspensos no azul, com cada piloto perdido nos seus pensamentos enquanto seguíamos as asas graciosas do nosso abastecedor (Handley Page Victor). De início o tempo passou excruciantemente devagar, o tédio de estar sentado passivamente sem grande coisa para fazer quase me fez accionar o assento ejectável para quebrar a rotina. O meu “entretenimento” de voo era cuidadosamente planeado, o simples acto de comer uma sandes era um enorme evento, algo a esperar com ansiedade e antecipação durante mais de uma hora! Os contactos de reabastecimento ajudavam a alterar a rotina, existia sempre o risco de algum piloto partir o cesto.

Não muito longe da ilha da Madeira um dos pilotos da nossa formação, o John Rochfort, anunciou pelo rádio que não conseguia transferir combustível de um dos tanques externos. Decidimos que era melhor ele aterrar em Porto Santo, o aeroporto mais próximo, assim o nosso Nimrod de escolta e busca e salvamento (que voava alguma distância á nossa frente) deu meia-volta, apanhou o John no radar e acompanhou-o até á Madeira. Como é óbvio, o John não tinha mapas da zona e quase que aterrava por engano no Funchal. O Nimrod acabou por conduzi-lo até á pista em Porto Santo, onde aterrou sem problemas. “Não vamos ouvir do John durante uns tempos”, pensei."


Os Handley Page Victor, assim como outros aviões de reabastecimento, foram absolutamente fulcrais para o sucesso da campanha Inglesa nas Falklands.

"Quando atravessamos o Equador os nossos reabastecedores fizeram meia-volta e regressaram rumo à Inglaterra enquanto um segundo Nimrod, saído de Ascenção, juntou-se a nós para a recta final. Senti-me meio esquisito da cabeça nesta altura, nada que uma boa bebida não ajude a passar. Para minha surpresa, a 200km apanhei um rádio-farol de Ascensão mas mesmo a menos de 20km ainda não víamos sinal da ilha no meio de um mar de grandes nuvens cumulus. Eventualmente, e já depois de estabelecermos contacto rádio, a ilha surgiu por detrás de uma nuvem. Parecia minúscula no meio de um oceano tão vasto. A única pista de aterragem estendia-se entre formações vulcânicas e ficamos aliviados pela ausência de ventos cruzados. Depois de um longo voo como este a aterragem final pode ser um exercício delicado e é necessário convocar todas as reservas de concentração para evitar dissabores. Felizmente conseguimos aterrar sem dramas desnecessários e enquanto nos dirigíamos á zona de estacionamento fomos recebidos entusiasticamente pelos pilotos e pessoal de terra da primeira “vaga”. Saí do Harrier dorido e cambaleante e o Bruce Sobey, o nosso Oficial Engenheiro, desafiou-nos a beber uma lata de cerveja ainda antes de irmos ao WC. Desafio aceite.”

RAF Wideawake, Ilha de Ascensão, 4-6 de Maio 1982 (Episódio 2)

“Em cerca de duas semanas a pacata base de comunicações tornou-se na mais movimentada base militar no mundo. A ilha era um lugar estranho, o solo preto e os montes vulcânicos davam uma aparência de um aterro gigante. Milhares e milhares de todo o tipo de pessoal militar transitavam espalhados por toda a ilha. Não existia nenhuma forma de transporte organizado mas era bastante fácil apanhar boleia. No bar da pequena vila notei todas as formas e tamanhos de soldados e marinheiros, a maioria carregava armas pessoais, mesmo os vestidos com roupas civis. Um grupo de homens de aspecto robusto e reservado bebia tranquilamente na última mesa do bar. Estavam bem vestidos e armados com ameaçadoras submetralhadoras, calculei que fossem do SAS ou SBS. Não perguntei.”

“No resto da ilha não parecia existir qualquer tipo de disciplina formal, ninguém dava ordens a ninguém e a segurança era totalmente ausente. Toda a gente, com qualquer tipo de arma, deambulava por toda a ilha a seu bel prazer. Não existia nenhum sistema de controlo de rotina de pessoal e, graças a Deus, não se via qualquer Polícia Militar para interferir com as nossas actividades. Este foi o sucesso secreto em Ascensão durante aqueles dias frenéticos, um sistema burocrático de controlo iria asfixiar a enorme atmosfera de espírito de iniciativa. Todos entendiam que apenas com um esforço sobre-humano irrestrito seria possível chegar á zona de batalha a 6400km de distância. Visto de fora tudo parecia um caos mas por toda a ilha, em todas as actividades, existia um espírito electrizante de preparação para a guerra. Além de receber vários aviões de grande porte como o Vulcan, Victor e Nimrod, a tarefa em Ascensão abrangia armazenar quantidades enormes de armas, equipamento e pessoal que seriam transferidos para a frota de navios que se acumulavam na costa. Deambulei nesta zona de carga e vi paletes de Sidewinders ao lado de bombas, caixas de vegetais, papel higiénico e milhares de outras coisas necessárias para travar uma guerra.”

A ilha de Ascensão em plena preparação de guerra. Todo o esforço de guerra aéreo, naval e terrestre dos ingleses convergiu nesta pacata ilha a caminho das Falklands. Tornou-se a base militar mais movimentada do mundo durante esse período.

“Mas a minha preocupação era fazer o meu trabalho. Era necessário preparar os nossos Harrier para o pequeno “salto” até ao navio que os iria transportar até ás Falklands, o SS Atlantic Conveyor. Por causa do calor extremo a performance VSTOL iria ser muito limitada, por isso calculei com cuidado todos os parâmetros de potência e sustentação de cada avião. Ia ser apertado, não havia espaço para erro ao aterrar na proa daquele navio. Encontramos nesta altura os pilotos do novo esquadrão da Marinha 809, que trouxeram os seus Sea Harrier por Gibraltar. Conversei com o Tenente John Leeming (um ex-piloto de GR.3) que me contou que fez o voo inteiro sem LOX (oxigénio liquido para respirar em alitude). Voou sempre a 3000 metros e sempre que subia até ao encontro do avião de reabastecimento, prendia a respiração até começar a perder os sentidos, antes de voltar a descer rapidamente! As loucuras que se fazem em tempo de guerra. Os pilotos do 809 NAS também tinham de levar os seus oito Sea Harrier para o Atlantic Conveyor. Era um grupo porreiro, já conhecíamos a maioria deles, e criamos uma amizade ainda mais forte porque partilhamos as mesmas dúvidas e aventuras no caminho para o combate.”

“Conversei com os meus pilotos sobre a dificuldade de aterrar no Atlantic Conveyor, ancorado a 3km de distância. Nas altas temperaturas tropicais o Harrier necessitava de toda a potência apenas para pairar, e usar em demasia o RCS (Reaction Control System) iria roubar ainda mais potência ao motor. Para a aterragem vertical ser bem sucedida teria de ser executada suavemente e com o mínimo de “inputs” nos controlos pelo piloto. A aterragem dos nossos GR.3 tinha se ser sincronizada cuidadosamente com a chegada dos Sea Harrier FRS.1 do 809 NAS e, por razões que vão ficar aparentes mais tarde, o lugar mais próximo do ponto de aterragem/descolagem tinha de ser um Sea Harrier. O convés do Atlantic Conveyor ia ficar atulhado e com escasso espaço de manobra para movimentar os aviões depois de “estacionados”. Um total de 8 Sea Harrier, mais os nossos 6 Harrier GR.3 e 4 helicópteros pesados Chinook e 8 médios Wessex ficaram arrumados entre contentores empilhados de cada lado do convés que ofereciam protecção rudimentar contra os elementos. A operação decorreu sem grandes problemas, excepto a aterragem do Mark, que fez uma aproximação ao convés muito instável. Durante a tarde o John Rochfort chegou num Hercules, depois de várias aventuras na ilha da Madeira.”

A transferência dos Harrier GR.3 e Sea Harrier FRS.1 de Ascensão para o navio Atlantic Conveyor foi uma operação delicada e perigosa. O calor e humidade obrigavam os motores Pegasus a trabalhar ao máximo e o mínimo erro do piloto teria consequências dramáticas.

Nessa noite recebi uma chamada de Northolt numa linha segura, era o nosso comandante Pete Moules. Fez uma série de perguntas sobre a nossa estadia em Ascensão, se tínhamos recebido o nosso equipamento, etc. No fim da conversa ele disse;

“A propósito Jerry, ainda não decidimos se permitimos que fiques sob o comando da Royal Navy.”

Era para rir; se eles pensavam que a Navy ia retirar agora os nossos Harrier do Atlantic Conveyor, estavam a sonhar. Expliquei isso ao Pete, que ficou surpreendido ao saber que os nossos aviões estavam já totalmente debaixo da alçada da Navy. Disse-lhe que não havia forma de travar o Atlantic Conveyor de partir no dia seguinte e, no que me dizia respeito, eu e resto do pessoal da RAF, íamos partir junto. O Pete Moules começou depois a falar sobre defesa aérea e eu assegurei-lhe que tínhamos mísseis Sidewinder e munição de canhão suficientes no momento. Um oficial graduado da Navy, do outro lado da sala, estava a ouvir a nossa conversa e exclamou na minha direcção;

“Eles estão a perguntar sobre a defesa aérea aqui em Ascensão?”
Confirmei que sim, e sem se levantar da cadeira, rugiu;
“Manda-os fod**! Não existe nenhuma ameaça aérea aqui e, se que houvesse, era EU que decidia como lidar com o assunto. Manda-os bugiar!”*
Soltei uma gargalhada silenciosa e passei a “essência” do recado ao Pete que desligou o telefone desgostoso.
Para aqueles de nós que tinham ainda algumas dúvidas sobre a atitude da Royal Navy perante a Royal Air Force, esta foi uma boa lição do que se iria passar nas próximas duas semanas.


Nesta imagem vemos o Atlantic Conveyor plenamente carregado (mais ainda em Ascensão), com 8 Sea Harrier do NAS 809 (notem a pintura cinza-claro, muito diferente dos Sea Harrier que já combatiam nas Falklands), os 6 Harrier GR.3 do 1(F) Squadron da RAF e vários helicópteros espalhados em cada canto.

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MV Norland, Atlântico Sul, meados de Maio 1982 (Episódio 3)

“Como o espaço habitável no SS Atlantic Conveyor era muito limitado ficamos a saber que iríamos embarcar no MV Norland, um ferry civil da empresa North Sea requisitado pela Marinha. O pessoal do 18 Squadron (Chinook) e do 848 Naval Air Squadron (Wessex) iria nos acompanhar (6 pilotos mais o chefe) na viagem até ás Falklands. Mas para “colorir” o quadro, quase mil homens do 2 Para (os famosos pára-quedistas ingleses, também conhecidos como Red Devils) também seguiram connosco no Norland. O nosso grupo de 7 ficou instalado em duas cabinas de 1ª classe no convés superior. Um arranjo mais confortável do que o esperado; cada cabina tinha chuveiro e WC e a comida era bastante boa. Mais importante ainda, dispúnhamos de um camarim onde os oficiais podiam relaxar, com uma caneca de cerveja, enquanto discutíamos sobre todos os aspectos da operação em curso.”


A deslocação dos pilotos, pessoal de terra e respectivos Harrier de Ascensão até as Falklands foi concluída por via marítima, a bordo dos navios civis SS Atlantic Conveyor e MV Norland.

“Fiquei admirado quando descobri que todos os homens e mulheres da tripulação eram civis, para o que era ainda uma missão muito incerta. Recebiam um pagamento extra pelo serviço mas nesta altura ninguém sabia quão perto das Falklands estes barcos civis iriam operar. Só muito mais tarde na viagem as tripulações entenderam que os barcos seriam enviados até ao litoral, tornando-se alvos prioritários para os ataques aéreos Argentinos… Uns dias depois de partirmos, o HMS Fearless (navio comando das operações anfíbias) e o HMS Intrepid juntaram-se ao comboio, junto com duas fragatas de escolta, a Ardent e a Argonaut. Também se juntou a nós o SS Camberra, que levava quase 3000 homens da 5 Brigada. Para nós pilotos da RAF era quase surreal navegar para a guerra num comboio naval nas belas águas tropicais do Atlântico Sul. Lembrei-me das histórias do meu pai, que serviu na Royal Navy na Segunda Guerra, e que escoltou nove comboios de abastecimentos até á Rússia. Era difícil conciliar essas experiências com os nossos banhos de sol no convés do Norland, mas as coisas iriam animar durante a viagem. No entanto, o prazer do nosso “cruzeiro” era temperado com a necessidade diária de “saltarmos” até ao Atlantic Conveyor para assistir a intermináveis briefings junto com os colegas do 809 NAS.”


A viagem dos pilotos da RAF a bordo do Norland, um confortável ferry civil requisitado para o transporte de pessoal e carga, tinha tudo para ser um prazeroso cruzeiro pelas belas águas do Atlântico Sul…

“Nessas “estadias” ajudamos a “ensacar” os Harrier em protecções de plástico feitas á medida. Quando regressávamos ao Norland descobrimos os homens do 2 Para ocupados com treinos de armas. Lançavam um pedaço de plástico ou esferovite para a água preso com uma corda, e a uma determinada distância começavam a disparar com espingardas, metralhadoras e até com mísseis Milan! Qualquer hipótese de passar uma tarde descansada ou fazer uma sesta era para esquecer. Este tipo de treino de armas tornou-se uma ocorrência diária, e o entusiasmo era tão palpável que ficamos preocupados se iriam gastar a munição toda ainda antes de encontrar o inimigo. No Domingo foi óptimo para relaxar, os pára-quedistas estavam mais sossegados e apanhamos bastante sol e brisa no convés. Ao passar a latitude 20º Sul a temperatura desceu perceptivelmente apesar de ser ainda possível ver os peixes a saltar na proa. Durante a tarde houve algum drama, o comandante do 809 NAS foi chamado de urgência para preparar o Sea Harrier de imediato. Aparentemente recebemos informação (sabe Deus de onde…) que um Boeing 707 de reconhecimento dos Argentinos voava na nossa direcção e a Marinha tinha ordens para o abater. Um avião-tanque Victor descolou de Ascensão para apoiar a saída (com a descolagem vertical o Sea Harrier iria necessitar de sumo muito rapidamente caso a intercepção fosse longa) mas depois de uma espera de uma hora no convés foi tudo cancelado, a ameaça tinha mudado de rumo.”


…Excepto pela companhia de quase 1000 paraquedistas do 2 Para, que ocupavam metade do tempo em treino de armas e a outra metade em correrias e exercícios pelos corredores do navio. Segundo Jerry Pook, a única coisa a fazer era sair do caminho.

“No dia seguinte surgiram do nada dois Tupolev Bear Soviéticos de reconhecimento marítimo e orbitaram sobre o comboio durante meia-hora. Senti um certo desconforto quando percebi que os Bear podiam facilmente retransmitir a nossa posição para os Argentinos. Lembrei-me imediatamente dos comboios na Segunda Guerra e dos Condor Alemães que transmitiam as posições para as wolfpacks de U-Boats. Mais tarde, para nos animar, ouvimos na BBC que a Argentina tinha declarado o nosso comboio naval um alvo legítimo. A esta distância não estávamos preocupados com ataques aéreos mas não dispúnhamos de informações credíveis sobre a posição e capacidades dos submarinos inimigos perto das Falklands. Mas nesta fase da viagem a maior ameaça para a nossa saúde era, sem dúvida, os treinos físicos do 2 Para. O batalhão inteiro corria pelos corredores e escadas do Norland numa espécie de corrida cross-country duas vezes por dia. Cada pára-quedista apresentava-se completamente equipado para combate, e moviam-se em companhias inteiras. Aprendemos rapidamente a sair-lhes do caminho porque assim que começavam a mover-se nada os fazia parar. Acabei por fazer algumas corridas só para lhes fugir da frente…”


Nesta foto do convés do Atlantic Conveyor, os Harrier e Sea Harrier encontram-se devidamente protegidos da água salgada e do pior da humidade. O Sea Harrier na frente da fila servia como caça de alerta – totalmente preparado e abastecido para descolar em caso de ataque argentino.

“No dia 17 de Maio, já bastante perto das ilhas Falklands, começamos a preparar os nossos Harrier para o transferência para o porta-aviões HMS Hermes. Finalmente, tínhamos a sensação que as coisas iam começar a “mexer” a sério brevemente. Na manhã seguinte, 3 horas antes do amanhecer, fomos acordados por um alerta dos altifalantes. Depois de uma corrida desenfreada para os nossos fatos de imersão e de seguida para os botes salva-vidas, recebemos a informação de que era apenas um exercício. Nas duas horas seguintes suámos e amaldiçoámos a Marinha enquanto carregávamos “feridos” em macas pouco ergonómicas por estreitos corredores e escadas - trabalhos braçais para pilotos de Harrier pouco habituados a puxar pelo cabedal. No dia da transferência dos Harrier e Sea Harrier para o Hermes o clima sorriu-nos; mar completamente calmo e sol radioso. Quando chegou a minha vez de descolar, alinhei o avião no ponto do convés e…o gerador eléctrico pifou! Só tinha agora a bateria como back-up. Em condições normais teria abortado a descolagem mas isso iria atrasar toda a operação. Conseguia ver o Hermes mesmo á frente, apenas uns 2kms de distância, por isso descolei sem pensar muito no assunto e depois de uma aterragem “pouco brilhante” no porta-aviões, respirei de alívio.”

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HMS Hermes, Atlântico Sul, meados de Maio 1982 (Episódio 4)

“Após estacionar o meu Harrier GR.3 no convés sobrelotado, e sem tempo de retirar o meu fato de voo, o Comandante Rod Frederikson iniciou um briefing mesmo ali no convés. Infelizmente, quando iniciou o seu (excelente) discurso com instruções práticas sobre a vida a bordo, só o “Boss” estava presente (foi o primeiro a aterrar). Como fui o segundo a chegar perdi os primeiros 10 minutos do briefing enquanto os restantes pilotos iam se juntando a nós á medida que chegavam. O Rod tinha recebido ordens para iniciar o briefing a uma determinada hora e começamos a entender a forma da Marinha fazer as coisas. Um oficial graduado dava uma ordem, que teria de ser seguida sem questões, independentemente da ordem ser ou não exequível ou até necessária. Qualquer tentativa de questionar ordens seria considerada uma forma de motim."


O Harrier GR.3 do “Boss” do No. 1(F) Squadron, Comandante Peter Squire, aterra pela primeira vez a bordo do HMS Hermes. Notem a folha com apontamentos e mapas encaixada no “tablier” – a falta de espaço no cockpit era uma das características menos apreciadas pelos pilotos dos Harrier.

“Antes do fim do briefing recebemos uma mensagem do Flyco (Flying Control) para prepararmos todos os Harrier disponíveis para sairmos imediatamente para uma saída de treino! Faltavam menos de 90 minutos para o pôr do sol e o Boss foi de imediato explicar ao “Wings” (Comandante de Operações Aéreas) que sem o FINRAE (+) a bordo não seria possível alinhar o sistema de navegação inercial e, por consequência, não teríamos Head-up-Display, um requisito essencial para aterragens nocturnas em porta-aviões! De início o “Wings” concordou que não era sensato voar nestas condições, o que permitiu que relaxássemos um pouco e despíssemos os fatos de voo. Mas fiquei com um pressentimento que as coisas não iriam ficar por aqui e, certinho, passada meia-hora recebemos nova ordem para preparar os Harrier imediatamente! Sem tempo para um briefing com as operações de voo ou até entre os pilotos para acertar o que iríamos fazer – esta era a forma da Marinha mostrar á RAF quem mandava agora! O Boss fez um desesperado apelo final para parar esta loucura, não só faltava menos de meia-hora para o pôr do sol como 3 dos nossos pilotos eram pouco treinados para executar uma aterragem nocturna num porta-aviões sem instrumentos – lembrar que para estes pilotos esta seria apenas a segunda aterragem num convés da carreira! “Nem pensar!”; a atitude da Marinha foi, “Estamos no comando, desenrasquem-se”. Com um sentimento esquisito no estômago sentei-me no cockpit e preparei-me para o pior. Nem sequer sabíamos como funcionavam as luzes no convés para orientar a aterragem nocturna. Entretanto o sol pôs-se e o Boss perguntou ao Flyco se ainda iríamos descolar. Recebemos uma resposta que iria se tornar muito familiar; “Stand by”. Seguido de…nada. Nenhuma explicação, nenhuma decisão; apenas “Stand by”. Para encurtar a história, acabamos por não descolar do Hermes. Mas a razão foi apenas porque as equipas de convés não conseguiam arranjar espaço para a nossa descolagem. Mais de 20 Harrier/Sea Harrier enchiam cada canto (o máximo experimentado em tempo de paz foi 12 aviões) e com vários helicópteros em constante movimento – uma confusão. Depois de abandonarmos os aviões descemos ao convés e conversei com o “Boss”, ele estava muito preocupado e eu avisei-o que devíamos estar preparados para mais cenas como as de hoje; já não éramos senhores do nosso destino e as pessoas no comando eram, não só ignorantes, mas totalmente desinteressados nos nossos problemas. A reacção do “Boss” preocupou-me, ele parecia não aceitar que agora não controlávamos as operações no sentido da RAF. Em terra ele tinha controlo disciplinar sobre todo o pessoal do esquadrão mas estava totalmente fora da cadeia-de-comando das operações de voo. Lembrei-me de uma conversa em Ascensão com pilotos dos Sea Harrier do 809 NAS onde me confidenciaram que muitas das chefias da Royal Navy odiavam a RAF. Os eventos de hoje, e das próximas semanas, iriam confirmar os meus medos…”


A chegada ao porta-aviões HMS Hermes expôs os pilotos dos Harrier da RAF ao tratamento hostil das chefias da Royal Navy mas também a um ambiente pouco profissional em termos operacionais. Há muitos anos que a Navy não operava aviões de ataque e reconhecimento e isso notou-se na incompetência na gestão das operações.

“A seguir fomos recebidos pelos pilotos dos Sea Harrier do NAS 800, que estavam no teatro desde o dia 1 de Maio. Mostraram-nos o nosso “escritório”, o “briefing room nº 2”, que seria a nossa casa sabe-se lá por quanto tempo. Tínhamos de repartir o espaço com os pilotos dos Sea Harrier, cerca de 30, numa sala com uns 8 metros quadrados. Aparte um pequeno anexo de arrumação, onde guardávamos os mapas, seria nesta sala que iríamos planear as missões, os briefings, debriefings, debriefings dos filmes e até dormir. Com cadeiras confortáveis dispostas como num cinema, encontrar um piloto exausto, ainda vestido com o fato de imersão, a dormir num canto, iria tornar-se uma visão comum. Fiquei chocado com o ar abatido dos pilotos dos Sea Harrier. Depois de 5 semanas a bordo do navio pareciam exaustos, os pilotos mais experientes em particular; olhos avermelhados, barba por fazer e um aspecto desarranjado, resultado das longas horas abaixo do convés em espaços apertados.”

“Descobrimos com espanto a falta de apoio com que iríamos operar; nem sequer um mapa actualizado com os movimentos das nossas forças. Na RAF estávamos habituados a um processo lógico de gestão de missões com o devido apoio da “Intelligence” e de reconhecimento aéreo. Todos os pilotos eram informados com frequência das últimas posições do inimigo, das nossas tropas e das prováveis defesas anti-aéreas. Era a única forma de operar missões de ataque ao solo e reconhecimento de forma profissional e eficiente. Precisávamos de um Oficial da “Intelligence” e de um Oficial de Ligação de Terra para disseminar toda a informação nos dois sentidos e para eliminar erros e falhas de comunicação. A bordo do Hermes não tínhamos nada disto, apenas uma operação descoordenada e estrambólica.”


(+) Nesta foto vemos o pessoal de terra (e um piloto) do No. 1(F) Squadron a remexer no trolley FINRAE (Ferranti Inertial Rapid Alignment Equipment), um equipamento difícil de operar num convés bamboleante e com pouco espaço para colocar todos os fios do trambolho. Raramente funcionava. O Sea Harrier vinha equipado com um sistema inercial diferente e mais adequado a operações embarcadas.

“Alguns pilotos dos Sea Harrier dormiam com os fatos de imersão vestidos, mesmo quando não estavam de “alerta”. Descobrimos que isto se devia ao medo de ataques de torpedo e mísseis Exocet. Fomos rapidamente informados das características anti-sociais do Exocet; atingia o alvo na zona de maior reflexo de radar e, no caso do Hermes, se o míssil viesse pela direita, iria embater na zona das nossas acomodações! O Oficial de Engenharia dos Sea Harrier estava sempre a pensar nos Exocet. Ele até tinha um quadro onde apontava a quantidade de mísseis disparados pelos Argentinos - era sabido que dispunham de um numero muito limitado. Cada vez que um Exocet era disparado ele riscava um do quadro, provavelmente para conseguir dormir um pouco mais descansado. Claro que os colegas constantemente adicionavam Exocets extra no quadro quando ele não estava a ver…”

“O navio estava em permanente Alerta Zulu, devido á ameaça de submarinos, o que significava que todos os compartimentos tinham de estar isolados e fechados. Isto dificultava muito as nossas deslocações além de complicar ainda mais a gestão do espaço. Toda a nossa sala (e corredor) estava ocupada com dispendiosos equipamento de voo, capacetes, pistolas Browning e munição 9mm espalhados por todo o lado, era uma festa. Não havia sítio para pendurar nada, gente a dormir no chão dos corredores (havia muitos soldados do SAS e SBS a bordo) e montes de roupa e equipamentos empilhados sem nexo. Nos dias de maior actividade aérea, houve muitas correrias dramáticas de última hora de pilotos á procura de capacetes ou outra coisa qualquer, o que provocou atrasos nos briefings e nas descolagens.”

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Tenho acompanhado.
Histórias espectaculares!
Espero que tenha continuidade.

Agradeço a atenção

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Sim, ainda faltam vários episódios.

Mas tem de ser assim “espaçado” porque ainda dá um bocado de trabalho a preparar…

HMS Hermes, Atlântico Sul, 19 de Maio 1982 (Episódio 5)

“O “guarda-redes” do nosso porta-aviões, a fragata HMS Broadsword, equipada com mísseis Sea Wolf, era a última linha de defesa caso fossemos atacados pela aviação Argentina ou por mísseis Exocet. O computador de aquisição do Sea Wolf considerava qualquer alvo que se movesse a mais de 460km/h como inimigo – e o sistema tinha um tempo de reacção muito rápido. Em consequência disso fomos instruídos a manter a nossa velocidade abaixo desse valor sempre que nos aproximássemos do Hermes ou da fragata (não fosse o Diabo tecê-las). Existiam outros navios de defesa aérea na Task Force e rapidamente aprendemos que eram extremamente rápidos a disparar por isso era necessária muita atenção ao introduzir os códigos correctos no sistema de IFF (Identification Friend or Foe).”


A fragata HMS Broadsword junto ao HMS Hermes. O sistema Sea Wolf revelou-se a melhor arma de defesa aérea de curto alcance da Royal Navy nas Falklands, apesar de sofrer de alguns problemas de hardware e falhas de integração. Os pilotos de Harrier da RAF (e Sea Harrier da RN) demonstravam o elevado respeito pelo Sea Wolf…por manterem uma distância segura sempre que possível!

“Descobri que para chegar á sala da “Intelligence briefing” no convés 4, eram necessários uns bons 10 minutos a subir e descer escadas e a entrar pelas infindáveis minúsculas escotilhas. Nem sequer existia um mapa de jeito das Falklands disponível! Perguntei aos pilotos dos Sea Harrier como planearam as poucas missões de ataque ao solo executadas até ao momento. Eles apenas liam as mensagens mais recentes no rádio e apontavam nos pequenos mapas pessoais as informações que achavam mais relevantes. Descobrimos também que só existiam dois analistas de fotografia a bordo, num pequeno compartimento de processamento fotográfico nas entranhas do navio, cinco “decks” abaixo do nosso. Os princípios básicos para um eficiente trabalho de interpretação de fotos de reconhecimento reside na rapidez do processamento e interpretação do filme, seguido pela rápida distribuição do produto final para as entidades que necessitam da informação. Para isso, é essencial que o piloto que “tirou” as fotos esteja presente na sala com os analistas assim que o filme saia do processador. Só o piloto pode dizer aos analistas que zona do terreno corresponde a cada secção particular do filme: sem esta informação os analistas vão escarafunchar pelo filme durante horas a tentar entender a localização de cada alvo fotografado. Para complicar, o Capitão do Hermes exigia ser o primeiro a receber um briefing pessoal do próprio piloto mal ele aterrasse no navio! Depois de vários anos sem aviões dedicados em operações de ataque e reconhecimento, tornava-se óbvio que a Marinha tinha desaprendido os princípios básicos destas missões."

“Fiz uma visita ao compartimento de processamento fotográfico e fiquei deprimido com as condições decrépitas de trabalho; só existia um processador de filme, uma única mesa luminosa (manual), uma impressora e um balde de água destilada para lavar as cópias! Para processar um filme eram necessários 30 minutos (na RAF era um fracção deste tempo) e para imprimir cópias, mais uma hora. Um dos analistas era o Sargento Bowman, destacado para a RAF do Exército, que eu conhecia do Centro de Inteligência e Reconhecimento em Wittering. Este esplêndido profissional trabalhava incansavelmente para nós, extraia o máximo de informação de cada slide que recebia. Além das exigências pessoais do Capitão do Hermes, ele ainda conseguia arranjar tempo para nos visitar na sala dos pilotos para nos informar de qualquer informação que julgasse importante para nós (geralmente era). O grande problema era que o Capitão não confiava no julgamento dos negativos do filme pelos analistas. Na RAF todo o trabalho de análise do filme/slides é feito directamente nos negativos através de óculos estereoscópicos; fazer cópias impressas só vai atrasar o processo, por isso só eram feitas em situações muito específicas. Infelizmente, não só o Capitão mas como uma carrada de outros oficiais exigiam cópias impressas de todos os filmes. Assim, depois de imprimir 9 ou 10 conjuntos de cópias, os já estafados analistas tinham de fazer de correio, entregando-as pessoalmente por todo o navio. Isto era totalmente inútil, porque a maioria daqueles oficiais não percebiam um corn- sobre reconhecimento aéreo e nem sequer precisavam dessa informação para fazerem o trabalho deles."


A primeira missão de ataque para os pilotos dos Harrier GR.3 da RAF, teria como alvo um depósito de combustível em Fox Bay na ilha Falkland Ocidental (seta amarela). A ilha Ocidental era praticamente “terra desconhecida” para os pilotos Ingleses, a quase totalidade das missões aéreas até á altura tiveram como cenário a Falkland Oriental. A localização das defesas anti-aéreas era assim uma incógnita.

“Fomos também apresentados ao Comandante Walton, que se intitulava como Conselheiro sobre Missões Aéreas do Estado Maior. Claro que estando tão próximo do Capitão, parecia óbvio para nós que qualquer “conselho” seu não iria contar para muito. Nos, felizmente, poucos contactos que tive com ele, era sempre irreverente e desinteressado nas nossas sugestões. A sua resposta padrão consistia em encolher os ombros e dizer que era assim que as coisas eram feitas e que não podia fazer nada para as mudar. Soubemos nessa noite os detalhes da nossa primeira missão operacional; um ataque a um depósito de combustível em Fox Bay na Falkland Ocidental. A previsão meteorológica não era brilhante mas preparamos toda a informação disponível para descolarmos o mais cedo possível na manhã seguinte. Inicialmente a missão consistia em dois Harrier mas pedi ao “Boss” se podia me juntar a eles para uma formação a “três”. Foi aceite. A Marinha tinha umas fotos de Fox Bay, onde tinham atacado um navio atracado. Desenterramos essas fotos e perto de uma aldeia era perfeitamente visível várias filas de depósitos desprotegidos. Também notamos que os Argentinos estavam a escavar buracos para proteger o combustível, por isso era urgente atacar quanto antes. Perguntamos aos pilotos dos Sea Harrier sobre as defesas; disseram-nos que talvez existisse uma posição AA a Leste do alvo, mas não tinham a certeza. O local tinha presença militar e o bom senso dizia-nos que deveríamos esperar algum tipo de defesa – daí a necessidade de um ataque coordenado “single-pass”. Partindo do princípio KISS (Keep It Simple, Stupid) planeamos uma rota de entrada pelo Cape Dolphin, seguido de um serpentear a baixa altitude pela montanha Muffer Jack e a seguir uma curva a sul na pequena aldeia de Chartres, que seria o nosso IP (Initial Point – início da recta final para o ataque). A formação seria a padrão de escolta que usávamos no 1(F) Squadron, com o líder na frente seguido por dois aviões lado a lado, criando uma formação em flecha. A carga de armas seria três bombas de sub-municões (cluster) cada.”


Na manhã do dia 20 de Maio três Harrier iriam dar início á contribuição do No. 1(F) Squadron da RAF ao esforço de guerra nas Falklands. Debaixo do olhar desconfiado (e de desprezo até) das altas patentes da Royal Navy em relação á Royal Air Force, era fundamental que a primeira missão corresse bem.

“Nessa noite aterrei na cama com a mente em total agitação. Era agora; a nossa primeira missão, e tinha de correr bem. Tentava não pensar em todas as coisas que poderiam correr mal. Avarias nos aviões antes da descolagem? Sim, com a minha sorte… Isso significava que teria de reviver novamente a tensão da “primeira missão”. E se o tempo estiver péssimo de manhã? E mesmo que descolássemos assim, como iríamos encontrar o raio das ilhas no meio do mar? Eventualmente, aceitei que não era possível antecipar o inevitável; o que tivesse de acontecer, iria acontecer. Adormeci e dormi profundamente até que o meu despertador me acordou, faltavam três horas para o amanhecer. “This is it”…”

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HMS Hermes, Atlântico Sul, 20 de Maio 1982 (Episódio 6)

“No pequeno-almoço recebemos notícias desanimadoras, um triste lembrete das realidades de voar em tempos de guerra, onde acidentes trágicos ocorrem com maior frequência do que em tempo de paz porque todos dão o máximo em condições difíceis; durante a noite um Sea King despenhou-se com 20 homens do SAS a bordo mais o Garth Hawkings, o melhor FAC (Forward Air Controller) que conheci. Morreram 22 no total. A previsão do tempo era bastante má. Uma área de baixa pressão estava centrada nas ilhas e dirigia-se para a nossa posição, 180km para Leste. Assim que chegássemos ao alvo esperávamos que o tempo estivesse melhor mas no regresso ao porta-aviões iríamos encontrar novamente mau tempo. “Não se preocupem que eles lançam-vos na mesma – sem problemas!”, disse-me o Tony Ogilvie, o oficial de operações dos Sea Harrier. O “Boss” sugeriu á Marinha um atraso na hora de lançamento para nos dar melhores chances de encontrar o alvo (e de regressar a bordo!). Previsivelmente a resposta foi, “Nem pensar, despachem-se!”. No entanto, a Marinha decidiu graciosamente enviar um Sea Harrier para servir como guia, usando o radar para nos indicar o caminho até ás ilhas. O Lt. Neal Thomas seria o piloto.”

“Com o tempo a piorar cada vez mais descolamos para a escuridão, e foi com dificuldade que nos reagrupamos, sempre com o perigoso nevoeiro e nuvens baixas. Os nossos pesados Harrier voavam desconfortavelmente a cerca de 380km/h. Tínhamos de voar a esta baixa velocidade para não “acordar” os sempre vigilantes operadores dos Sea Wolf. Na subida até á altitude de cruzeiro eventualmente entramos em contacto com o Neal (que saiu do Hermes com algum atraso, mas conseguiu aproximar-se) e, apesar de não conseguir apanhar-nos, manteve-nos debaixo debaixo de olho através do seu radar. Sem sabermos a altitude do tecto de nuvens nas ilhas, o “Boss” planeou descer bem antes de chegarmos ás Falklands para evitar que nos espetássemos contra uma montanha. Na longa e lenta descida recebemos uma lacónica mensagem de rádio do Neal a informar-nos que a nossa rota estava correcta. Desejou-nos boa sorte e regressou ao navio. Ficamos gratos pela sua ajuda.”


Excelente registo histórico – 3 Harrier GR.3 preparam-se para dar início á primeira missão operacional no teatro. Na frente, o “Boss”, Comandante Peter Squire, seguido de Bob Iverson e do “nosso” Jerry Pook. Um Sea Harrier, lançado alguns minutos mais tarde (pilotado por Neal Thomas) acompanharia o trio servindo como Pathfinder, á boa maneira dos DH Mosquito na WWII.

“Abaixo das nuvens a visibilidade era melhor que o esperado e viramos a Sul pela península Dolphin a muito baixa altitude. Senti algo esquisito – estava a entrar em território inimigo pela primeira vez. Sabíamos que pequenas equipas do SAS e SBS já estavam no terreno a fazer reconhecimento em preparação para o desembarque anfíbio. Lembrar-me destes indivíduos valentes e corajosos de alguma forma restaurou a minha confiança. Assumimos a formação de escolta enquanto atravessávamos a Falkland Ocidental, sempre atentos á navegação. Esta primeira missão tinha de correr bem e não nos podíamos dar ao luxo de nos perdermos. Pela primeira vez nas nossas carreiras podíamos voar tão baixo quanto quiséssemos, no entanto não havia necessidade de exagerar. Mesmo assim, algumas vezes tive de fazer um esforço consciente para subir um pouco mais e ganhar alguma separação do terreno."

Rota (aproximada) dos Harrier na missão do dia 20. Interessante notar o cuidado na escolha de cada curva e no aproveitamento das irregularidades do terreno como cobertura e protecção. A velocidade e boa execução da missão apanharam os Argentinos desprevenidos e, com efeito, não foi detectado nenhum fogo anti-aéreo.

"Apertamos a formação e aceleramos pelo largo vale entre o Monte Robinson e a montanha Muffer Jack. Ao sobrevoar a localidade de Chartres executamos uma curva de 90º á esquerda, o que nos colocou no Ponto Inicial logo acima do Monte Sullivan. Neste ataque eu iria seguir o trajecto do “Boss”, imediatamente á minha frente, e largar as minhas bombas a seguir ao Bob. Tradicionalmente, o último homem sobre o alvo apanha com a maior parte da “flak”, por isso estava bastante tenso quando nos lançamos sobre Fox Bay a quase 900km/h. O assobio intenso do Pegasus esmorecia com o poderoso ruído aerodinâmico que abanava a atarracada fuselagem do Harrier. A visibilidade melhorou e as pequenas casas de bonecas em Fox Bay surgiram mesmo á nossa frente como planeado. Voava tão baixo quanto possível: o terreno era uma mancha indistinta na minha visão periférica e a minha concentração estava totalmente focalizada no avião do “Boss”. O depósito de combustível era fácil de identificar, tal e qual como nas fotos de reconhecimento, e vi uma bola de fogo oleosa quando as bombas do líder embateram no alvo. O Bob também atingiu o alvo com grande precisão - e agora era a minha vez de atacar. Apontei um pouco além do incêndio, pressionei o botão de disparo, empurrei o acelerador até ao fundo e mergulhei violentamente em direcção ao solo. Esperava fogo anti-aéreo a qualquer momento. Nada. Passados alguns segundos já sobrevoava o mar e quase tocava a superfície com a ponta da asa ao virar de encontro aos outros dois Harrier. Só depois consegui relaxar um pouco; nenhum de nós viu qualquer sinal de “flak”. O ataque foi uma experiencia electrizante; a combinação de voo rápido a baixa altitude, o bombardeamento bem sucedido e a tensão nervosa libertada, faziam-me sentir o Super-Homem.”


Os coletes vermelhos identificam estes marinheiros a bordo do HMS Hermes como especialistas de armamento. Como se o facto de estarem totalmente relaxados e em alegre “cavaqueira” sentados em bombas de 1000 Libras não fosse suficiente para chegar a essa conclusão… A foto será do início (ou ainda antes do começo) das hostilidades, pois após os primeiros ataques com mísseis Exocet cenas como esta acabariam – as armas só eram retiradas do paiol e transportadas para o convés no último momento.

“Apesar de o voo de regresso ser feito por instrumentos, conseguimos encontrar o Hermes e aterrar sem grandes problemas. O “Boss” foi imediatamente chamado á ponte para fazer um briefing ao Capitão. Isto era inútil, a única coisa que o Peter podia confirmar era que tinha identificado e atacado o depósito de combustível; apenas o último homem sobre o alvo (eu) podia confirmar, ou não, se o alvo tinha sido atingido… O resto das missões do dia foram canceladas devido ao mau tempo.

O desembarque anfíbio das nossas tropas iria começar na madrugada do dia seguinte, 21 de Maio, por isso fomos todos colocados em alerta para executar missões de CAS. Não tínhamos dúvidas que isto seria muito complicado; não nos importávamos de falhar alvos inimigos mas acertar nos nossos homens por engano preocupava-nos imenso. Durante a noite tive dificuldade em adormecer e vi pela janela vários dos nossos navios de transporte de tropas e navios de guerra a aproximarem-se das ilhas. Era o início de uma grande aventura; o primeiro desembarque de grande escala Britânico desde a crise no Suez. Além das nossas preocupações em relação ás missões CAS, não tínhamos dúvidas que o desembarque ia despoletar uma forte reacção da Força Aérea Argentina. Os nossos navios iam ficar muito expostos e vulneráveis naquelas pequenas enseadas rodeadas por montanhas, cenário ideal para missões de ataque antinavio. Os Sea Harrier teriam muito trabalho pela frente e eu perguntava-me se seria necessário usar os nossos Harrier para ajudá-los em combate aéreo. Isto seria simples de executar; para missões CAP (Combat Air Patrol) um Harrier GR.3 podia fazer dupla com um Sea Harrier. Isto significava seis aviões extra para defender a frota em caso de necessidade. No entanto, este nosso plano de reforço não foi sequer cogitado. A Royal Navy nem sequer considerou essa possibilidade.”

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HMS Hermes, Atlântico Sul, 21 de Maio 1982 (Episódio 7)

“Umas três horas antes do sol nascer eu e o Mark estávamos ocupados a planear a primeira missão do dia – o Grande Dia, a Invasão. Recebemos informação que os Argentinos tinham, sabiamente, deslocado alguns helicópteros de Port Stanley para as montanhas a Oeste. Não tínhamos localização exacta mas seria perto do Monte Kent, um nome que não nos dizia nada na altura. Desenhamos uma rota com um Ponto Inicial na costa a Norte-Leste, perto de MacBride Head, assim a luz do sol da madrugada (se houvesse alguma) irradiaria sobre o meu ombro esquerdo na aproximação do alvo. Planeamos todos os detalhes cuidadosamente, tendo em mente que este era um alvo de grande importância. (Como nós, os Argentinos tinham grande falta de helicópteros de transporte de tropas.) Sabíamos que helicópteros estacionados – mesmo sem camuflagem – são notoriamente difíceis de ver mesmo á luz do dia; além disso deveriam estar bem espaçados e não conseguiríamos atingir mais de um em cada ataque, portanto teríamos de executar mais de uma passagem para ter sucesso. Depois de todo este planeamento, as Operações mudaram a nossa missão! Agora, teríamos de estar preparados para possíveis missões CAS debaixo das instruções do HMS Fearless. A missão original foi apagada completamente mas não havia qualquer menção sobre o que fazer caso o Fearless não tivesse trabalho para nós. Conhecendo o que a casa gasta disse ao Mark para guardar as notas da missão e os mapas – a minha intenção era atacar os helicópteros caso surgisse oportunidade."


O trabalho intenso de preparação no convés dos porta-aviões não pode ser subestimado. Nesta foto vemos uma equipa a transportar um torpedo (retirado provavelmente do Sea King) de volta ao paiol enquanto no sentido inverso outra equipa carrega uma bomba (BL755?) a ser instalada provavelmente num dos Sea Harrier. Notem o uso de “flash-gear” (luvas e a protecção da cabeça resistente ao fogo), que indica que esta foto terá sido tirada após alguns dos ataques com mísseis Exocet aos navios da Royal Navy. O contraste com o ambiente mais relaxado na foto no episódio 6 é revelador.

“Descolamos na escuridão total da madrugada e ganhamos altitude até aos 7500m. A esta altitude conseguíamos vislumbrar os primeiros raios de sol mas no solo apenas uma massa de sombras. Entrei em contacto pelo rádio com o HMS Fearless e – para minha felicidade – responderam que não tinham alvos para nós no momento. “Muito obrigado – temos um alvo alternativo”, respondi, mudando rapidamente de frequência antes que mudassem de ideias. Mergulhamos em direcção ás Falklands e confirmei se estava tudo bem com o Mark;
“Green, check in,” disse eu.
“Green 2, loud and clear”.
Era o que eu queria ouvir, prontos para o ataque.
Assim que sobrevoamos a costa a baixa altitude, o solo parecia indistinto, mas rapidamente identificamos a forma cónica do Monte Kent á nossa frente. A excitação aumentava enquanto nos aproximávamos do alvo. Abrandamos um pouco para conseguirmos distinguir melhor os alvos e consegui reconhecer no meio da vegetação um Chinook, um par de Pumas e também um Huey, mais a Oeste. O Huey tinha o rotor a girar, tinha acabado de aterrar – não tínhamos tempo a perder se quiséssemos limpar esta tralha toda.”

“Era tarde demais para uma primeira passagem; decidimos dar a volta ao Monte Kent o mais baixo possível e alinharmo-nos directamente aos alvos. Confirmei com o Mark se ele via o mesmo que eu e alinhei a mira com o maior alvo na área; o Chinook. A pouca luz enganou-me e fez-me voar demasiado baixo e a voz no meu cérebro disse-me; “Baixo demais, palerma! Nunca vais acertar a esta altitude!”
Tarde demais. Larguei as bombas e virei á esquerda, olhei por cima do ombro e vi o padrão das submunições a explodir além do Chinook. Agora seria canhões apenas para nós os dois. O ataque do Mark também falhou, as bombas ficaram penduradas nas calhas devido a falha eléctrica. Estava a ficar mesmo chateado; estava determinado a atacar todos os helicópteros com canhões e na passagem seguinte voltei a alinhar-me com o suculento Chinook. Falhei a minha primeira rajada, o que me deixou bem fod— da cabeça! Felizmente o Mark mostrou mais pontaria que eu e estourou com o Chinook. No próximo ataque tudo correu bem e deixei um Puma em chamas. Disparar contra alvos altamente combustíveis com pouca luz era um espectáculo formidável; cada projéctil explodia num brilhante flash de luz branca a uma cadência de 40 por segundo até o alvo explodir numa violenta bola de chamas alaranjadas. Na passagem seguinte o Mark apanhou outro Puma e só faltava despachar o Huey. Até agora ninguém tinha disparado contra nós apesar do ocasional alerta do RWR, o som agudo de aviso de um radar de controlo de tiro. Tinha a certeza que estávamos fora do alcance e tentei ignorá-lo enquanto alinhava com o Huey. Infelizmente estava muito bem camuflado e só consegui identificá-lo no último momento, quando me preparava para pressionar o gatilho e vi pelo canto do olho os rotores do helicóptero uns metros ao lado – demasiado tarde para corrigir. Depois do contacto inicial todo o ataque ocorreu em total silêncio de rádio. No entanto, depois da segunda ou terceira passagem para acertar no Huey recebi uma mensagem muito irritada do Mark; “Green 2, fui atingido!”


A importância da missão de Jerry e Mark no dia 21, que destruiu boa parte da força de helicópteros inimiga perto do Monte Kent, foi confirmada em 2006 pelo historiador Huch Bicheno; “Este ataque foi, provavelmente, um dos mais decisivos na guerra ao desfazer totalmente os planos defensivos dos Argentinos”.

“Disse-lhe para retirar-se para Norte e sair da área e segui-o para ver os estragos. Fiquei frustrado por deixar o Huey intacto. No entanto, descobri muito mais tarde que acertei-lhe algumas vezes e provoquei alguns estragos nas pás do rotor. Na subida para o regresso aproximei-me do Mark e vi um pequeno buraco na fuselagem traseira e algum combustível a verter. O Mark confirmou que estava a perder gasosa mas estava confiante que era possível chegar ao porta-aviões. Lembrei-o para despejar as bombas para cortar no consumo – as detonações das submunições criaram um espectáculo pirotécnico tirado de uma cena do Star Wars. O Mark aterrou com 220kg de combustível nos depósitos. Fui ter com ele no convés e pedi desculpa por fazer tantas passagens no alvo e explicar a minha dificuldade em ver o Huey.
“Oh, tá tudo OK”, disse o Mark. “Viste-os a disparar contra nós?”
“O quê?”, perguntei.
“As tropas ao lado do Puma – estavam a disparar contra nós na maioria dos ataques”.
“Rapaz, faz-me um favor, da próxima vez, informa-me desse tipo de coisas!”

“A seguir fui á ponte do porta-aviões fazer o briefing ao Capitão, que tinha também o Almirante ao seu lado com um sorriso de superioridade naquela cara. Como esperado, o Capitão vociferou um pouco sobre fazer tantas passagens sobre o alvo; “Bom trabalho, mas nunca esqueças, no futuro, apenas uma passagem, OK?”
O Almirante – o grande homem dos submarinos – adicionou o seu bitaite de escárnio, de quem nunca pilotou um avião na vida; “Acho que aprendeste a lição…”.
Estes dois viviam num mundo de fantasia. Era fácil moralizar no conforto com ar-condicionado na ponte; se tivéssemos feito apenas uma passagem não tínhamos atingido nada e os Argentinos teriam ficado na posse de helicópteros vitais para transportar rapidamente tropas contra as nossas forças. Podia desculpar a ignorância do Almirante, mas fiquei surpreendido com a falta de apreço pela brutal realidade das missões de ataque do Capitão, um ex-piloto de Buccaneer. Todas as missões contra alvos defendidos são uma lotaria e só o piloto no local pode decidir quantas passagens são necessárias, tendo em conta o valor do alvo e a dificuldade em destrui-lo.”


As missões de ataque ao solo dos Harrier GR.3 da RAF exigiam muita atenção no planeamento. Aproveitar ao máximo o terreno como cobertura, a altitudes que raramente ultrapassavam os 50 metros e a grande velocidade, eram essenciais para diminuir o risco da artilharia anti-aérea e dos caças Argentinos.

“Voltei para a sala dos pilotos e encontrei o “Boss” e o Bob completamente desanimados. Tinha havido uma grande argolada no último lançamento, que deveria ser constituído pelo “Boss” a liderar e com o Jeff Glover a realizar a sua primeira missão operacional nas ilhas. O Bob contou-me;
“O Jeff foi sozinho”, disse com apreensão.
“Como?”, foi a minha resposta de total espanto.
Tínhamos acordado explicitamente entre os líderes de secção de que nunca deixaríamos alguém sair sozinho em operações – especialmente os pilotos mais inexperientes, como o Jeff, o elemento mais novo do grupo. O trem de aterragem do “Boss” não retraiu e foi forçado a regressar a bordo. Ao mesmo tempo, ele disse ao Jeff para continuar sozinho na missão – que era de CAS na zona de desembarque. Fiquei furioso; deixar o Jeff ir sozinho numa missão tão difícil era imperdoável. O “Boss” deambulava com uma cara doente e eu sentei-me á espera do pior. Não consegui ficar sentado muito tempo. Fui ás Operações e disseram-me que o Jeff já tinha saído há mais de uma hora e não conseguiam comunicar com ele por rádio. Com grande tristeza, percebi que ele não iria regressar.”

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HMS Hermes, Atlântico Sul, 21 de Maio 1982 (Episódio 8)

“Recebemos informação do Comandante no HMS Fearless a queixar-se de um Harrier – o do Jeff, naturalmente – que usou o código IFF errado ao entrar na zona de operações anfíbias e por pouco os nossos navios não dispararam contra ele. Isto era mau. Desde logo temi o pior – o Jeff deve ter sido abatido pelas nossas forças. Enviamos uma mensagem ao Fearless a explicar que o nosso Harrier já deveria ter voltado. A resposta chegou rápido; disseram que mantiveram contacto rádio com ele brevemente mas que lhe tinham perdido o rasto. Não havia mais nada a fazer além de continuarmos focados nas nossas responsabilidades. Em tempo de guerra não podemos nos dar ao luxo de ficarmos preocupados com os colegas que não regressam – seja qual for a razão. Regressei á sala dos pilotos onde encontrei muitas caras sombrias, não cheguei a falar com o “Boss”, estava devastado. O resto do dia foi uma trapalhada. As comunicações com o Fearless eram uma desgraça e só conseguimos voar mais duas missões. O Pete Harris e o John Rochfort foram designados a voar até á zona de desembarque e “ver o que podiam encontrar”. Depois da perda do Jeff, o Pete estava ansioso e depois de aterrar disse-me que voou ao longo da ilha a baixa altitude mas, naturalmente, com a concentração focada no voo, não conseguiu ver nada no terreno. No regresso ao porta-aviões, o John cometeu um ligeiro erro na aproximação ao difícil ponto 5 (onde o convés é mais estreito); deslizou o Harrier para a esquerda, o trem ressaltou para fora do convés e ficou pendurado com a asa fora do navio! Depois de um breve momento de tensão, os tripulantes do Hermes reagiram de forma esplêndida, uma dúzia deles correu para cima da asa oposta enquanto um exército de marinheiros surgiram de todos os cantos e literalmente puxaram o Harrier de 8 toneladas de volta ao convés.”


Nesta foto vemos o momento em que o Harrier GR.3 de John Rochfort quase resvala para as águas do Atlântico Sul. A rápida reacção das equipas de convés do HMS Hermes evitou a perda de uma valiosa aeronave (e o seu piloto). Um dos tripulantes já agarrou a “perna” do trem direito mas em poucos segundos dezenas de colegas acorreram para o ajudar a recuperar o Harrier. Como se a situação não fosse suficientemente tensa, o avião carregava duas bombas de submunições BL.755 armadas…

“Não eram só as nossas operações aéreas que sofriam problemas e contratempos, a Marinha também estava a passar por um período negro na enseada das Falklands. Vagas de aviões de ataque Argentinos lançaram-se sobre os nossos navios de guerra e de transporte e no fim da noite pelo menos cinco foram afundados ou seriamente danificados. Os pilotos Argentinos demonstraram enorme coragem e determinação e muito se falou e escreveu desde então sobre as “fracas tácticas” que usaram e o numero de bombas que não explodiram. Do meu ponto de vista, não passam de “críticas de sofá”, feitas por pessoas que nunca estiveram envolvidas numa guerra a sério e não fazem ideia dos problemas práticos em atingir um navio com uma bomba. Dois factores são aqui predominantes. Primeiro que tudo, é MUITO MAIS fácil atingir o alvo se voares muito baixo e largares a bomba o mais perto possível; “raspar o alvo com a bomba” era uma expressão que usávamos na RAF. Adicionalmente, quando a adrenalina está a fluir a tendência natural do piloto é voar muito baixo. Obviamente, uma bomba largada a ultra-baixa altitude corre o risco de não detonar – e, se explodir, o avião lançador corre tanto perigo como o alvo. No entanto, um par ou dois de bombas de 500kg a voar a 300 metros por segundo, mesmo que falhem em explodir, possuem a energia de um comboio de carga no momento do impacto e vão atravessar o navio aos trambolhões, esmagando compartimentos, cortando linhas de combustível e cabos eléctricos dos sistemas de armas e, finalmente, se as bombas permaneceram dentro na navio, irá ser necessária uma delicada e perigosa operação de desminagem. Qualquer piloto de caça-bombardeiros sabe isto perfeitamente e – depois de atravessar a muito custo caças inimigos, artilharia e mísseis antiaéreos – vai ter uma quase irresistível vontade de ATINGIR o alvo, mesmo que as bombas não armem a tempo. Se ele falhar – e quer Ingleses, quer Argentinos conseguiram falhar alvos bastante rechonchudos – então a questão das bombas explodirem ou não torna-se académica. Todos os esforços foram em vão e mais valia nem ter descolado.”


No dia 21 de Maio a Royal Navy sentiu a eficácia dos caças-bombardeiros da aviação Argentina. O HMS Ardent, uma fragata Type 21, foi uma das vitimas iniciais. Atingida por várias bombas em rápida sucessão, sofreu danos consideráveis e baixas na tripulação. O desgaste estrutural e fogos incontroláveis acabaram por ditar a perda do navio em poucas horas.

“A nossa convivência com as chefias da Royal Navy continuava muito complicada. O Almirante não percebia nadinha sobre missões de CAS urgentes – pensava que bastava dar a ordem “Lancem os GR.3!” ás Operações e estava resolvido. Nas nossas missões em terra na Alemanha tínhamos elaborado um sistema sofisticado de comunicações, onde todos os aviões em alerta mantinham-se em contacto com o oficial de ligação terrestre e com a “intelligence”. Assim, as informações mais recentes sobre o alvo, defesas, tropas aliadas e mapas actualizados eram rapidamente disseminadas pelo esquadrão e quando chegassem as chamadas urgentes de apoio os pilotos já tinham uma boa ideia do que iriam encontrar no terreno. Se assim não fosse, era extremamente difícil encontrar os alvos inimigos e seria necessário voar mais alto e executar mais passagens para perceber o que passava – tudo pouco recomendável quando o inimigo tem defesas sofisticadas. Mas a Marinha não queria saber nada disto, no que lhes dizia respeito, encontrar e atacar um alvo terrestre defendido não era diferente de lançar em Sea Harrier numa missão de intercepção aérea controlada por radar. Assim, sem qualquer assistência externa, decidimos criar o nosso próprio sistema; o nosso comandante de serviço na torre reunia o máximo de informação possível, assinalava rapidamente num mapa os detalhes mais importantes, como a posição esperada dos alvos e os Pontos Iniciais, e corria até aos Harrier no convés para informar os pilotos! Isto irritava as Operações e causou alguns atrasos mas com todos os atrasos existentes na confusão dos lançamentos, uns minutos extra não iam fazer grande diferença.”

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HMS Hermes, Atlântico Sul, 24 de Maio 1982 (Episódio 9)

“Mais tarde nessa noite recebemos excelentes notícias. Uma visita das “Wings” á nossa sala de pilotos para nos informar que os Argentinos comunicaram que tinham feito prisioneiro um piloto ferido de Harrier! Só podia ser o Jeff! O Jeff era um membro extremamente popular do esquadrão e os gritos de alegria e exultação mal recebemos a notícia mostraram o quanto gostávamos do bandido. Aparentemente, o Jeff estava preso algures nas ilhas e o nosso pensamento imediato era; “È bom que os canalhas tratem bem dele. Nessa mesma tarde fomos informados que iríamos executar um ataque a baixa altitude ao aeródromo em Port Stanley. Este ia ser um alvo difícil, por isso necessitávamos de fotos tiradas a baixa altitude – as últimas, da Marinha, tinham sido tiradas a 6000 metros ou mais. No que nos dizia respeito não valia a pena atacar sem termos fotos, era absolutamente necessário estudar as defesas e as melhores rotas para os alvos. Como era suposto ser eu ser o especialista em reconhecimento, sugeri que eu deveria descolar logo de manhã, fazer uma passagem rápida a baixa altitude e trazer as fotos para estudo. Todos concordaram com o plano e começamos a fazer os preparativos nessa noite. Mas o “Wings” apareceu com a ordem de que o ataque deveria ser lançado logo de manhã. “Não pode ser”, expliquei pacientemente. “Primeiro tenho de fazer o reconhecimento, e para isso é necessário luz suficiente (pelo menos duas horas após o amanhecer), depois o filme tem de ser processado para os pilotos de ataque planearem a missão.” Relutantemente, o “Wings” aceitou este plano.”


O piloto de Harrier, Jeff Glover, visivelmente abalado, a ser resgatado pelas forças Argentinas. Desaparecido desde 21 de Maio, Jeff não conseguiu evitar um míssil MANPADS Blowpipe, lançado perto de Port Howard. A notícia de que estava a salvo e bem de saúde, apesar de um ferimento ligeiro, foi um excelente bálsamo para todos os pilotos dos Harrier da RAF

“Ficava impressionado como as chefias da Marinha ainda não tinham assimilado os princípios básicos do reconhecimento fotográfico. Infelizmente, o Capitão nunca compreendeu. Em diversas ocasiões enviou aviões em saídas de reconhecimento infrutíferas devido ás fracas condições de luz – apesar dos protestos de que só estávamos a perder tempo. Numa ocasião ele exigiu as cópias impressas dos negativos de uma saída logo de madrugada num alvo específico. O Sargento Bowman, um dos analistas fotográficos, ligou a informá-lo que (como esperado) nada era visível nos negativos. A reacção a esta “insolência” foi previsível; foi ordenado ao Sargento Bowman que guardasse as suas opiniões e enviasse as cópias o mais rápido possível. A hierarquia da Marinha desejava tirar as suas próprias deduções das cópias, apesar do facto de nenhum deles ter a mais pequena ideia de como interpretar uma foto de reconhecimento… Pacientemente, os analistas fotográficos penaram pelo demorado processo de produção das cópias e prontamente as entregaram ao Capitão. Naturalmente, as cópias estavam quase brancas, sem o mínimo detalhe discernível. Este tipo de atitude infantil seria quase inofensivo se as fotos fossem tiradas a mais de 6000 metros de altitude, fora do alcance das defesas. No entanto, missões fotográficas a baixa altitude através das defesas AA das Falklands eram um desafio muito mais perigoso.”

“Infelizmente, tal como muito do nosso equipamento, o pod de reconhecimento do Harrier era deficientemente desenhado, pouco adaptado á realidade de combate. Foi pensado para tirar boas fotos 770km/h e a 75 metros de altitude (do solo) – perfeito…para missões de treino em tempo de paz. As objectivas estavam orientadas de tal forma que a cobertura era severamente afectada a altitudes mais baixas. Além disso, a alta velocidade o filme ficava excessivamente desfocado. Em resultado, não podíamos voar muito rápido e, ao sobrevoar o aeródromo, éramos obrigados a subir uns 50 metros a mais do que gostaríamos. Logo a seguir ao briefing da manhã chegou a informação que a minha missão de reconhecimento tinha sido cancelada. O ataque seria feito de imediato. O “Boss” pediu permissão ao “Wings” para me lançar, enfatizando a importância das fotos para ataques futuros (tínhamos a certeza que iríamos regressar ao aeródromo de Port Stanley). De nada valeu. A única concessão foi de que dois Sea Harrier iriam se juntar ao nosso ataque para suprimir as defesas Argentinas. Voariam a partir de Norte e executariam um “toss bombing” com detonadores barométricos (airburst) um pouco antes da nossa formação chegar ao alvo. Perguntei ao “Boss” se podia me juntar ao ataque, já que estava tão envolvido no planeamento, mas ele rejeitou.”


O pod Vinten de reconhecimento do Harrier sofria de limitações importantes em termos de velocidade máxima permitida e de altitude. Para conseguir boa resolução das fotos os pilotos eram obrigados a voar mais alto do que gostariam e com menos velocidade – exactamente o que um piloto de Harrier NÃO quer fazer ao sobrevoar território defendido!

“Esperei no Flyco, sempre com um nervoso miudinho no estômago, enquanto decorria a missão. Todos regressaram ao HMS Hermes e o balanço foi positivo. Houve considerável artilharia anti-aérea sobre o alvo; na opinião do Mark isto deveu-se ao ataque dos Sea Harrier que despertaram o inimigo – por nós, mais valia nem se terem juntado ao ataque. Os nossos Harrier conseguiram atingir o alvo com várias bombas se submunições e pelo menos uma bomba de 454kg na pista, apesar de provocar uma cratera muito pequena. Descobrimos mais tarde que a Marinha tinha seleccionado o detonador errado, o que reduziu substancialmente a penetração da bomba. Por esta altura já estávamos acostumados com as severas limitações nos pedidos de configuração do armamento feitos ao paiol de munições do navio. Basicamente, o que acontecia era que o Capitão era o primeiro a receber os detalhes das missões CAS (e todas as outras) e, de seguida, dava ordens imediatas para preparar as bombas, ou outras armas que ele achava apropriadas, incluindo ajustes dos detonadores. Naturalmente, á boa maneira da Navy, tudo isto era feito sem consultar os pilotos – os verdadeiros especialistas, e que iriam atacar os alvos. Para contornar este problema fazíamos um pedido directo ao Contramestre das Armas e, mais tarde, confirmávamos se a carga pendurada nos Harrier estava correcta. Este nosso arranjo teve apenas sucesso limitado, pois muitas vezes atacamos alvos com armas e/ou detonadores desajustados. Mais uma vez, o excesso de confiança do Capitão resultou em muito esforço desperdiçado da nossa parte.”


Um Harrier GR.3 na RAF (equipado com um pod Vinten no suporte ventral) no seu habitat natural; entre as clareiras de uma floresta algures na Alemanha Ocidental. O combate nas Falklands exigiu adaptações mas, no essencial, as tácticas de voo rápido a ultra-baixa altitude revelaram-se tão eficazes a serpentear por entre as montanhas dessas ilhas como nos terrenos Europeus.

“Mais tarde, quatro de nós ficamos em alerta CAS no convés a aguardar qualquer pedido do HMS Fearless. Como não chegou nenhum não houve mais missões nesse dia. Pelo menos apanhamos algum ar fresco, apesar de ser bastante frio. Nós, pilotos, éramos afortunados por poder ver o sol com frequência, sentia pena dos marinheiros que passavam o dia todo nas entranhas do navio. Devido á intensa actividade de Harriers e helicópteros o acesso ao convés era estritamente controlado. No entanto, como pilotos, conseguíamos arranjar sempre desculpa para “inspeccionar” o nosso avião e conversar um pouco com os mecânicos e pessoal de apoio. Felizmente, o tempo estava-se a aguentar bastante bem para nós. Apesar das nuvens tenebrosas no Reino Unido, não nos podíamos queixar do clima no Atlântico Sul. Não experimentamos nenhuma tempestade a bordo do Hermes e, na maior parte dos dias, o Sol surgia entre as nuvens.”

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HMS Hermes, Atlântico Sul, 25 de Maio 1982 (Episódio 10)

“Ao fim da tarde ouvimos que a HMS Coventry tinha sido afundada por uma formação de Skyhawks. Houve uma série de erros tácticos da Marinha nessa ocasião, um dos quais foi depositar demasiada confiança no Sea Dart (que não funcionava) em vez de deixar os Sea Harrier lidar com os atacantes (o Sidewinder já havia demonstrado 90% de eficácia). No final, o Coventry atravessou-se entre a fragata de escolta Type 22 e os Skyhawk, negando a hipótese de tiro aos Sea Wolf da fragata. Enquanto a Coventry afundava o próximo ataque Argentino já estava no ar na nossa direcção. Nós éramos o próximo alvo.”


A combinação Dassault Super Etendard e Aerospatiale Exocet transformou a guerra marítima nos anos 80. Nenhuma marinha podia ignorar o perigo que estes mísseis anti-navio impunham e, desde então, toda uma panóplia de sistemas de alerta e destruição (CIWS) foi desenvolvida para contrariar a ameaça. Nas Falklands os Exocet deixaram os Ingleses á beira de um ataque de nervos e nenhum esforço foi poupado para neutralizar a ameaça.

“Durante períodos de alerta – ao contrário do que fazia a RAF – a Marinha tinha o hábito inquietante de transmitir pelo sistema de altifalantes do navio exactamente o que se estava a passar em tempo real. Para nós, encolhidos nas entranhas do HMS Hermes, seria preferível saber as notícias depois de tudo ter passado e acabado. Mas não. A sirene de alerta chiava e ouvimos as palavras assustadoras;

- ATENÇÃO, ATENÇÃO! ESTAMOS A DETECTAR TRANSMISSÕES DE RADAR DE SUPER ETENDARD A CURTA DISTÂNCIA A ESTIBORDO.

- Oh, mer*!! Aqui vamos nós!! Corremos para os nossos fatos de protecção e chocamos uns contra os outros numa confusão de luvas e gorros pelo ar. Alguns pilotos optaram por vestir fatos de imersão para o caso de algum mergulho involuntário. Isso não me incomodava; se levássemos com um Exocet a estibordo nenhum de nós ia nadar para lado nenhum. O meu sangue gelou com o anúncio seguinte;*

- ATENÇÃO! UM MÍSSIL FOI LANÇADO CONTRA NÓS!

- Foda** para este joguinho de soldados!!*
A seguir ouvimos uma série de estouros, eram os disparos dos nossos enormes rockets de chaff na superstrutura. Depois de um breve silêncio, mais dois estouros em rápida sucessão. Estes vinham do HMS Invencible que navegava muito perto de nós. Apesar de desconhecermos na altura, o que ouvimos foi o lançamento de dois mísseis Sea Dart da proa do Invencible – presumivelmente para impressionar o Almirante porque os aviões Argentinos, a esta altura, já deviam estar muito além do horizonte a caminho de casa. Depois de uns segundos de silêncio surgiu a lacónica frase da ponte;

- O ATLANTIC CONVEYOR FOI ATINGIDO. ESTÁ EM CHAMAS.

O Atlantic Conveyor serviu como “esponja”, atraindo os mísseis Exocet que de outra forma poderiam atingir o HMS Hermes, o navio mais valioso do grupo. A presença de várias toneladas de combustível de aviação, junto com munições e outros suprimentos, criaram as condições para incêndios devastadores e incontroláveis.

“Tudo acabou em minutos mas ficamos em alerta por várias horas, caso houvesse mais ataques. Eu estava decidido em ver o que se passava e tirar umas fotos. Conhecia um atalho para o convés de voo través da sala da meteorologia, por isso consegui esgueirar-me por umas escadas e saí por uma escotilha atrás da chaminé. Consegui ver o Atlantic Conveyor parado a curta distância com o casco coberto de fumo espesso e com ocasionais labaredas e flashes de fogo. Vários helicópteros circundavam a área mas não consegui ver botes nem sobreviventes no mar. Embora a luz não fosse ideal, tirei algumas fotos da cena – depois de processadas, como temia, estavam totalmente negras. Pensei nos homens a bordo; o Capitão North e na tripulação mais o pessoal do 18 Squadron, que estavam na altura a preparar os Chinook para descolar. Um dos Chinook estava a voar em testes na altura do impacto. Sem combustível para ir para mais lado nenhum, o piloto viu-se forçado a aterrar no HMS Hermes. Protestando que não tinham espaço, a Marinha pensou seriamente em empurrar o precioso Chinook borda fora mas, felizmente, o bom senso prevaleceu.”

“Passado algum tempo, não era possível ver o Atlantic Conveyor, ficou totalmente escondido por um manto preto de fumo. Os helicópteros usavam os holofotes em procura de sinais de vida enquanto surgiam e desapareciam por entre as nuvens de fumo, perigosamente perto uns dos outros. Depois de algumas horas desci para o convés inferior a tremer incontrolavelmente de frio. Um pouco depois ouvimos com tristeza que nove pessoas estavam desaparecidas, incluindo o Capitão North. Faleceu assim um dos mais afáveis e descontraídos heróis esquecidos da guerra. O Capitão North sobreviveu a ataques de torpedos na Segunda Guerra para morrer nas águas geladas do Atlântico Sul, o seu navio e a sua vida sacrificados sem queixas para nos proteger. A nossa moral melhorou quando soubemos que todos os colegas do 18 Squadron foram resgatados sãos e salvos. Um dos sobreviventes contou-nos vividamente como viu um Exocet atravessar o compartimento de carga a todo o comprimento! Este ataque demonstrou quão vulneráveis éramos frente a ataques aéreos e em resultado disso o Almirante ordenou a retirada de todo o Grupo de Porta-Aviões 180km mais a Leste. Isto, obviamente, ia causar mais dificuldades para as nossas operações aéreas.”


Esta seria a cena que o “nosso” Jerry Pook viu desde o HMS Hermes. O Atlantic Conveyor, mortalmente ferido por dois Exocet, ardia incontrolavelmente enquanto vários Sea King, Wessex e Lynx resgatavam os sobreviventes. Se não fosse a presença deste navio de carga, provavelmente seria o Hermes a sofrer este destino e talvez Jerry Pook não tivesse regressado a Inglaterra…

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HMS Hermes, Atlântico Sul, 26 de Maio 1982 (Episódio 11)

“No dia 26 eu e o Mark fomos escalados novamente para uma missão, desta vez reconhecimento armado. Já tínhamos entendido que a terminologia da Marinha era confusa; algumas missões eram designadas como “reconhecimento fotográfico armado” que, segundo a doutrina, é coisa que não existe… Ou é reconhecimento armado (quando o objectivo é atacar quaisquer alvos de oportunidade na área) ou é reconhecimento (quando o objectivo é fotografar alvos e não atacá-los.) Claro que para a Marinha isto era tudo Grego. Até agora não tínhamos recebido nenhum pedido para missões de reconhecimento fotográfico puro apesar da situação no terreno as exigir desesperadamente. O objectivo da missão seria procurar movimentos de tropas e veículos ao longo de um percurso de 50km até perto da cidade de Stanley! Para começar, decidi que não ia aproximar-me sequer da cidade – era a zona melhor defendida das Falklands, com mais de 60 canhões AA e pelo menos 7 lançadores de SAM. Além disso, é óbvio que existiria actividade de tropas e veículos na cidade mas nós, pilotos de Harrier, já tínhamos acordado que nunca iríamos usar armas “estúpidas” na cidade em nenhuma circunstância: o custo em vidas humanas seria demasiado elevado. Assim, planeamos uma rota de reconhecimento a terminar antes de chegar ás linhas de defesa da cidade.”


Os Harrier GR.3 da RAF e os Sea Harrier da Royal Navy partilhavam o mesmo espaço e grande parte das equipas de manutenção, o que ajudou a integrar as duas (muito diferentes) mentalidades – pelo menos ao nível dos pilotos e marinheiros. A ausência de radar dos Harrier GR.3 criava algumas limitações em missões com muito mau tempo ou durante a noite. Em algumas situações, um Sea Harrier servia de pathfinder para uma formação de Harriers em ataques combinados.

“Antes de descolar tentamos reunir o máximo de informações sobre o avanço das nossas tropas. Como era hábito essa informação estava vários dias desactualizada – os nossos “Paras” até já podiam estar a beber um chá em Stanley que seríamos os últimos a saber… Eu e o Mark descolámos sem incidentes e encontramos as ilhas cobertas por uma fina camada de neblina nos pontos mais altos mas, de resto, o tempo estava bom. Tiramos fotos ao longo da estrada e viramos 180º antes de chegar a Stanley. Ao sobrevoar pela segunda vez o Monte Kent, instintivamente olhei para o local do meu ataque no dia 21 (episódio 7). Pelo canto do olho notei, uns dois quilómetros a sul, o que parecia ser um helicóptero no meio de vegetação alta… Chamei o Mark pelo rádio e perguntei-lhe se também tinha visto. Fomos investigar e tirar fotos – talvez houvesse mais alvos por perto. Ao me aproximar do suposto helicóptero vi, mais á direita, um monte de destroços queimados, provavelmente os restos do Chinook que destruí no dia 21. Logo de seguida sobrevoei a tal vegetação alta e vi um Puma em perfeitas condições! Raios!! Porque não ataquei logo na primeira passagem? Vi também um trilho de fumo branco de um SAM atrás de mim. Alguém não gostava da nossa presença. No entanto, o míssil foi lançado demasiado tarde e com um ângulo muito acentuado. O Mark também informou-me que viu tracejantes vindo do Monte Kent, por isso retirámo-nos da área a baixa altitude. O meu cérebro trabalhava a todo o vapor – este era, obviamente, um alvo valioso; no entanto, já o tínhamos sobrevoado duas vezes e eu sabia o que o Mark ia dizer se eu quisesse voltar a atacar. Assim, disse ao Mark para orbitar a 10km a Oeste, numa área segura, e lancei-me a alta velocidade e o mais baixo possível rumo ao alvo. Calculei o meu ataque de forma a surgir por detrás do monte e com o alvo directamente na minha mira. E tal como planeado o Puma encheu o meu visor exactamente no local esperado – um rápido toque no botão e as minhas duas bombas de submunições envolveram o helicóptero num tapete de explosões, fumo e estilhaços. Meio segundo depois o Puma explodiu numa espectacular bola de fogo alaranjada. Serpentei por entre os montes e rumei para junto do Mark e regressámos ao porta-aviões.”


A missão do dia 26 resultou na destruição de um Puma Argentino no solo mas a resistência inimiga fez-se notar com lançamentos esporádicos de SAMs de curto alcance e artilharia ligeira. Com os Argentinos a recuar em direcção a Stanley, e com o perímetro defensivo a diminuir, aumentava também a concentração de armas anti-aéreas no terreno. A cada missão os pilotos dos Harrier GR.3 sentiam que mais perdas seriam inevitáveis.

“Depois de aterrar descobri um buraco de bala no tanque externo; obviamente a precisão do inimigo foi um pouco superior ao que eu tinha calculado. Durante o debriefing o Mark exaltou-se um pouco sobre o facto de termos sobrevoado o alvo três vezes. Não percebia a preocupação dele porque a primeira passagem foi feita ainda longe da área do alvo e a “terceira” foi apenas executada por mim. O Mark insistiu que estávamos a correr demasiados riscos e não aceitava as minhas respostas de que alguns riscos tinham de ser assumidos para obtermos resultados. Perdi a paciência, saí da sala e deixei-o a murmurar sozinho enquanto me dirigia ao bar. Depois do jantar fui “encostado” em privado pelo John Rochfort e o Tony Harper – aparentemente o Mark já tinha enchido a cabeça a ambos.

“Olha Jerry”, começou o Tony; isto era obviamente sério, quando se começa uma frase a usar o primeiro nome… Perguntaram-se o que se passava e sugeriram se eu não estaria a correr demasiados riscos com os rapazes mais novos. Eu expliquei a minha versão dos acontecimentos e descobri que o Mark tinha embelezado bastante a história, pintando um quadro demasiado dramático da missão. Eu disse ao Tony e ao J.R. que o Mark estava a ficar algo ansioso e depois da nossa conversa fiquei satisfeito com a franqueza destes dois pilotos veteranos. Infelizmente estava certo de que com a dificuldade e perigo crescente das nossas missões, inevitavelmente iríamos sofrer perdas – por muito cuidado que tivéssemos.”


O clima no Atlântico Sul podia ser impiedoso; nevoeiro intenso, temperaturas baixas e visibilidade quase nula. Mesmo assim, os Harrier e Sea Harrier demonstraram uma capacidade fora do comum de operar em condições consideradas totalmente impossíveis para aviões de combate de asa fixa clássicos.

“Mais tarde nessa noite disseram-nos que o ataque a Goose Green pelo 2 Para estava prestes a começar, e que nós ficaríamos em prontidão para lhes proporcionar apoio aéreo aproximado (CAS) debaixo da supervisão de FACs (forward air controllers) na manhã seguinte. Ao ouvir isto o meu coração parou de bater. Como sabíamos muito bem, qualquer tipo de missão CAS orientado mesmo pelos melhores FACs é extremamente arriscado. E com a morte do Garth (episódio 6) e com o John Penman evacuado por ferimentos, ficaríamos “entregues” ao usual bando de quase incompetentes FACs secundários disponíveis. Se há coisa que os meus doze anos de treino em missões CAS/FAC me ensinaram é que este cenário era o pior possível em tempo de guerra. O trabalho e responsabilidade de um FAC é de extrema exigência e só alguém com um treino rigoroso e com experiência “dentro do cockpit” é capaz de guiar um avião a 800km/h a baixa altitude até um alvo camuflado - e isto com tropas amigas nas imediações. Pouco tinha sido feito nos meus doze anos para melhorar esta situação, excepto a introdução do desajeitado LTM (Laser Target Marker), que tinha as suas próprias (e severas) limitações. Mas na batalha em Goose Green na manhã seguinte, nem esse sistema estaria disponível na linha da frente…”

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HMS Hermes, Atlântico Sul, 27 de Maio 1982 (Episódio 12)

“Durante a manhã começaram os pedidos de apoio aéreo por parte do 2 Para mas as duas primeiras missões correram muito mal – como esperado as comunicações com os FACs eram inexistentes ou inúteis. Enquanto os Harrier do Bob e Mark eram preparados para a missão seguinte chegou uma mensagem de Goose Green; “pedido urgente de CAS”. Corri para o convés e passei a informação ao Bob – tal como eu, ele interpretou a mensagem como um pedido urgente de ajuda. Mal sabíamos nós na altura que a batalha de Goose Green ainda nem tinha começado (como habitual a Marinha não achava necessário informar os pilotos dos Harrier do que se passava no terreno) e este “pedido urgente de CAS” referia-se apenas a uma infiltração inicial de equipas de observação do 2 Para em preparação da ofensiva que só teria lugar nas primeiras horas da manhã seguinte. Infelizmente esta missão iria acabar em desastre. O Bob e o Mark descolaram o mais rápido possível e dirigiram-se até á suposta zona de combate. Tudo começou a correr mal; primeiro não foi possível estabelecer contacto com o FAC e, eventualmente, o Bob largou as suas bombas numa concentração de tropas perto de uma estrada. Ao identificar vários alvos inimigos na área o Bob regressou para atacar com canhões mas o fogo anti-aéreo inimigo começou a fazer-se notar. O Bob conta o que aconteceu a seguir;

  • Tinha acabado de disparar os canhões contra um grupo de veículos quando senti duas ou três explosões violentas na fuselagem traseira. Imediatamente os controlos ficaram muito rígidos e um monte de luzes de aviso disparam no cockpit. O motor ainda funcionava e como eu não estava a perder altitude decidi permanecer mais um pouco para me afastar o mais possível das pessoas que tinha acabado de metralhar. A seguir comecei a ouvir uma série de ruídos esquisitos e os controlos deixaram de funcionar. Conseguia ver chamas pelo espelho retrovisor e de repente as labaredas entraram no cockpit! Puxei o manípulo de ejecção de imediato.

“Podias-te dar ao luxo de esperar um pouco com o assento ejectável Mk.9; o atraso após puxar o manípulo era zero. E por aguentar-se mais uns momentos no seu mortalmente ferido Harrier, o Bob conseguiu percorrer quase 10km e aterrar numa área relativamente segura após a mais brevíssima das descidas de pára-quedas. De volta ao HMS Hermes, eu não sabia nada disto na altura quando recebi a temida mensagem do Flyco (Flying Control);

    • DAQUI FLYCO; ACABARAM DE PERDER UM GR.3.*


O canhão duplo Oerlikon GDF de 35mm foi um dos adversários mais temidos dos pilotos Ingleses. Um impacto era suficiente para abater um Harrier sem grande dificuldade e o envelope efectivo da arma era superior a 4000m. Quando associado ao radar de controlo de tiro Skyguard (como usado pelos Argentinos) tornava-se ainda mais preciso e letal. Até os pilotos Argentinos sentiram na pele a eficácia desta arma; um Mirage III e um A-4 Skyhawk foram abatidos por engano…

“Antes do Mark aterrar recebemos informação do HMS Fearless de que um FAC tinha visto um Harrier a ser abatido e que o piloto tinha ejectado. Era reconfortante, mas o que o que eu queria mesmo saber era se o FAC tinha visto um pára-quedas. Estava a ficar desesperado; os meus piores medos estavam a acontecer com o Bob desaparecido, provavelmente morto. Quando o Mark aterrou percebemos logo a sua agitação; falava sem parar sobre o intenso fogo anti-aéreo e que os líderes de formação eram malucos – para ele, o Bob tinha praticamente se suicidado. Mas o importante é que o Mark também não tinha visto a queda do Harrier, por isso continuávamos ignorantes quanto ao destino do Bob. As missões planeadas foram canceladas após estas más noticias e corri para o Flyco a pedir uma missão de busca e salvamento. Havia boas hipóteses de o Bob estar vivo. A resposta veio rápido. Não. O Almirante vetou. Não queriam arriscar perder mais helicópteros para o fogo anti-aéreo. Precisamente nesta altura recebemos as notícias entusiasmantes de que um Sea Harrier em patrulha ouviu no rádio uma voz desesperada com o “call sign” do Bob! Eram excelentes notícias. Estava convencido que o Bob tinha sobrevivido e coçava a cabeça a tentar encontrar maneiras de ajudá-lo, já que a Marinha tinha lavado as mãos quanto ao assunto. O piloto do Sea Harrier tentou responder aos pedidos de ajuda mas não teve resposta.

Eu tinha um plano; expliquei ao Flyco que era vital executar uma missão de reconhecimento fotográfico para as missões de ataque que iam ter lugar em Goose Green na manhã seguinte. O Flyco não queria muito deixar-me sair mas depois de muita discussão finalmente aceitaram. Mas havia um problema; só um Harrier estava disponível de imediato – teria de ir sozinho. Corri para o convés e sentei-me no GR.3 enquanto aguardava a permissão para descolar. Os minutos passavam e com as chefias da Marinha a vacilar só descolei ás 19h00, uma hora antes do sol se pôr. Obviamente que a esta hora do dia as minhas fotos já tinham ido “para o tecto” mas estava pouco me marimbando para isso – o que eu queria era chegar rápido á zona onde o Bob tinha sido abatido. Quando me aproximei das Falklands as nuvens tinham desaparecido, o que me oferecia uma esplêndida vista aérea das ilhas. Ouvia pelo rádio as instruções tensas de intercepção para os Sea Harrier – aparentemente um ataque Argentino estava em curso. Não era a primeira vez que sentia alguma inveja do trabalho confortável dos pilotos da Marinha. Não tinham de aturar a interminável atitude idiota do Flyco e nada de voos a baixa altitude (chafurdar pelas ervas daninhas, como eles diziam a brincar connosco) em busca de alvos difíceis, bem camuflados e defendidos por todos os soldados inimigos mais o cão.”


Os Sea Harrier ganharam fama internacional, e plenamente merecida, pelos feitos no conflito das Falklands. Pilotados por profissionais muito bem treinados, agressivos e motivados, os Sea Harrier demonstraram a eficácia da combinação do excelente turbofan Pegasus, do radar Blue Fox e, não menos importante, do desempenho da versão L (ou Lima) do míssil AIM-9. Designados a tarefas de ataque menos “populares”, os pilotos de Harrier da RAF não receberam tanta atenção.

“Não; na próxima guerra eu ia ser um piloto de caça – se sobrevivesse a esta. Muitos voos a uma altitude segura, pontuados pela excitação ocasional quando era necessário interceptar um “bogey” – geralmente, um piloto de ataque em pânico a fugir pela vida depois de uma desesperada tentativa de atingir um alvo terrestre (como conheço bem esse sentimento…). Uma breve perseguição, apontar o nariz para a cauda do inimigo e pressionar o gatilho. Nada de ler mapas em cima do joelho nem fugir do fogo inimigo. Só o rasto de fumo de um “Lima” Americano (AIM-9 Sidewinder) a perseguir o desgraçado até á exaltação final de ver o avião inimigo desaparecer numa bola de fogo. Abates alguém e quando voltares a casa enchem-te de medalhas e as miúdas não te largam – afinal, só os “verdadeiros” pilotos de combate conseguem abater aviões inimigos, certo? Aqueles pilotos de Harriers GR.3 só sabem fazer buracos no chão – qualquer um consegue fazer isso.

De regresso á realidade, desço para os 4500 metros, uma altitude que eu pensava ser relativamente segura, e preparo-me para executar a passagem de fotografia. Mudei o rádio para a frequência de salvamento e chamei pelo “call sign” do Bob várias vezes mas não recebi resposta. Se o Bob estivesse ali em baixo de certeza que tinha desligado o rádio para poupar a bateria, pensei eu. Decidi descer mais um pouco. Já tinha desistido de tirar mais fotos; com as condições de luz não fazia sentido. Talvez a uma altitude inferior o Bob conseguisse ouvir-me e ligasse o rádio. De repente, dei um salto de susto com o alarme do meu RWR (Radar Warning Receiver); o crepitar sinistro de um radar Skyguard em modo “lock”! Quase imediatamente apanho outro susto ao ver passar várias tracejantes vermelho-vivo de grande calibre a serpentear extremamente perto do meu cockpit! Fod***!! Fod****!! Fod****!!*
Felizmente voava bastante rápido e, abrindo potência máxima, rompi para Leste numa curva o mais apertada possível. Que tolo que eu fui. Aqueles projécteis passaram por mim com bastante energia; não tínhamos recebido informações concretas sobre o alcance máximo em altitude dos canhões de 35mm, mas esta experiência comprovou que era obviamente superior ao que julgávamos! (Mais tarde pilotos do HMS Invencible confirmaram ter visto explosões de 35mm a 6000 metros! Naturalmente que esta informação não foi partilhada connosco logo de início…). Depois de mais umas tentativas sem sucesso em comunicar com o Bob pelo rádio, fui obrigado a regressar ao HMS Hermes, onde aterrei em total escuridão.”

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HMS Hermes, Atlântico Sul, 28 de Maio 1982 (Episódio 13)

“Recebemos um pedido urgente de apoio aéreo das nossas tropas e, num surto inesperado de bom senso, a Marinha permitiu que planeássemos a missão antes de descolar. Assim, o Pete Harris e o Tony Harper, que estavam em alerta de 5 minutos no convés, regressaram á sala de briefings para inteirarmo-nos dos detalhes de uma missão que sabíamos que iria ser “quente”. Depois de um dia inteiro de luta intensa o 2 Para conseguiu empurrar o inimigo para uma pequena península a Leste de Goose Green mas, com vastos stocks de munição, os Argentinos ofereciam agora mais resistência. Pior que isso, usavam os mortíferos canhões duplos de 35mm em fogo directo, causando baixas nos “paras” e obrigando-os a parar o avanço. Nestas condições de algum desespero não admira que os “paras” tenham solicitado a nossa ajuda urgente.
Sem tempo a perder o Pete e o Tony esboçaram um excelente plano de ataque, com um Ponto Inicial (IP) a noroeste e com o Sol pelas costas. Os seus aviões, armados com bombas de submunições, eram os únicos em condições de voar; no entanto, antes de o Tony e o Pete correrem para o convés recebi a mensagem que mais um Harrier estava pronto (armado com rockets). Perguntei ao “Boss” se podia juntar-me a eles – a principio ele estava relutante mas consegui convencê-lo. Em menos de dois minutos agarrei uns mapas, rabisquei uma rota mal amanhada e a seguir fui ter com o Pete Harris para um briefing. O “briefing” demorou uns segundos e foi mais ou menos assim:

“Jerry, formação standard de ataque e tu vais ser o Número 3 na esquerda. Dúvidas?”

Nesta foto é possível apreciar a escala do poderoso canhão duplo Oerlikon GDF de 35mm. Além de temível para os pilotos nas Falklands (de ambos os lados!) era também mortífero quando usado contra alvos terrestres. Na batalha em Goose Green estes canhões causaram várias baixas e bloquearam totalmente o avanço do 2 Para. Sem grandes opções, os Harrier GR.3 da RAF foram chamados para neutralizar esta ameaça.

Sem tempo para mais, corremos escadas acima e só nessa altura me ocorreu que nem sabia qual era o meu “call sign”! Já no convés O chefe dos mecânicos, Brian Mason, veio ter comigo com um ar preocupado enquanto eu me sentava no Harrier:

“Não pode “sir”, o avião foi sujeito a demasiada carga G!”

Ele tinha acabado de descobrir que o piloto anterior tinha “puxado” 7 Gs e os mecânicos tinham de fazer uma série de verificações para confirmar se alguma coisa importante não se teria partido.

“Deixa lá isso Brian, não sejas parvo. Provavelmente vou ser abatido – assim a papelada fica resolvida!”, disse eu meio a brincar.

Com um sorriso forçado ele deixou-me ir, e disse-me para não me preocupar com a documentação. Descolamos sem problemas e estabelecemos contacto rádio com o HMS Fearless muito antes de chegarmos ás ilhas. Recebemos luz verde para avançar e mergulhamos de imediato até Brenton Loch. As dúvidas começaram a surgir na minha cabeça – talvez voluntariar-me de forma tão repentina para esta missão não tenha sido a minha melhor ideia. Os Oerlikon de 35mm que estávamos prestes a atacar tinham a melhor taxa de sucesso de todas as defesas anti-aéreas do inimigo, até agora tinham abatido três aviões (um na “própria baliza”). Além disso, esta bateria já me tinha pregado um susto no ataque a Goose Green na semana passada e, ainda ontem, quase me acertava. Mas não havia tempo para pensamentos negativos, tinha de me concentrar, agora que nos aproximávamos do Ponto Inicial. Espreitei o mapa no meu joelho e confirmei a separação para o Harrier do Pete, 1,5kms á minha frente. Vários quilómetros adiante era possível discernir algumas nuvens de fumo na zona de combate, isso era bom, o fumo poderia ocultar a nossa aproximação. Contactamos o FAC que autorizou o ataque. Conseguia ver claramente a povoação em Goose Green e a península logo em frente, tal e qual um modelo de brincar. Vi o Pete Harris executar o seu ataque com perfeição e, de repente, a área iluminou-se com as explosões das suas bombas. Logo a seguir o Pete avisou-nos pelo rádio;

“Ataquem 50 metros á direita das minhas bombas!”


O ataque a Goose Green no dia 28 foi um excelente exemplo de como planear uma missão de CAS; Ponto Inicial (IP) bem definido, aproximação oculta a baixa altitude, ataque final preciso e repentino seguido de uma fuga “limpa” a alta velocidade. O factor surpresa foi confirmado pela relativa ausência de fogo anti-aéreo (talvez pelas tripulações dos Oerlikon estarem demasiado concentradas nos alvos terrestres?)

“Ao recuperar do mergulho o Pete tinha visto a bateria de canhões anti-aéreos á sua direita e sem estas instruções também iríamos falhar o alvo. No calor do momento, a segundos do alvo, dei um cheirinho de leme, alterei ligeiramente o meu ponto de mira e, quando me preparava para acionar o botão de disparo, vejo na minha visão periférica o Harrier do Tony a aproximar-se pela direita. Não podia disparar com ele tão perto e, por momentos, pensei que o meu ataque estava estragado e demasiado perto para corrigir. Três coisas aconteceram quase em simultâneo; o Tony atravessou o meu ponto de mira verde no HUD; as bombas dele explodiram numa cascata de faíscas perto do alvo e eu disparei todos os meus 72 rockets numa rajada de meio segundo. O flash dos rockets deixaram-se momentaneamente cego, e dois segundos após o ataque do Tony os meus rockets explodiram no alvo com um violento estrondo.
Era altura de nos pirar-mos da área. O Pete e o Tony já tinham quase desaparecido para Leste em grande velocidade rentes á agua, tão baixo que sulcavam a espuma do mar. Juntei-me a eles e rumamos ao HMS Hermes onde num animado debriefing nos congratulamos por uma excelente missão. A seguir retiramos-nos para o bar para celebrar e depois de umas bebidas já ninguém nos conseguia aturar…”

A seguir um extracto do livro Air War South Atlantic do Jeffrey Ethell e Alfred Price;

…O ataque foi uma surpresa total para os Argentinos e os pilotos não viram nenhum fogo anti-aéreo.
Do seu ponto de visão privilegiado Chris Keeble (o agora comandante do 2 Para após a morte em combate do Coronel H. Jones) apreciou os Harrier a fazerem o seu trabalho. “Vieram num voo rasante, um atrás do outro; cada um largou as suas bombas e o som das explosões juntou-se num crescendo de intensidade. Então vieram os rockets, que foram os mais eficazes; atingiram a ponta da península onde os canhões de 35mm estavam localizados. O ataque foi um grande impulso para a moral das nossas tropas - apesar de alguns deles acharem que os Harrier largaram as bombas um pouco perto de mais das nossas posições, mas isso faz parte da guerra.”
O ataque dos Harrier foi um exemplo textual de uma missão CAS; um ataque poderoso contra um alvo de grande importância para o inimigo. Lançado numa altura crucial da batalha e com os resultados vistos claramente pelas tropas – assim fortalecendo a determinação dos soldados apoiados e desmoralizando os soldados opostos.


Fenomenal ilustração do momento em que Jerry Pook lança os seus 72 rockets de 2 polegadas no decisivo ataque a Goose Green. Ao longe, á esquerda, é possível ver o Harrier de Pete Harris já a fugir rumo ao mar e, ao centro, o de Tony Harper, “iluminado” por uma cascata de explosões.

“Chris Keeble não tinha dúvidas quanto á importância da missão dos Harrier. “Depois daquele ataque a intensidade do combate reduziu drasticamente. O inimigo sabia agora que nós tínhamos a capacidade de requisitar apoio aéreo com rapidez e, mais determinante, com grande precisão e poder de fogo.” Na manhã seguinte fomos colocados em alerta para um novo ataque em Goose Green – o 2 Para estava quase a ficar sem munições. Mas Chris Keeble, num momento de ousadia, avisou os Argentinos que iriam ser novamente atacados pelo ar se não se rendessem. Funcionou, assim o nosso ataque foi cancelado. Quem disse que um bluff descarado não funciona?"

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HMS Hermes, Atlântico Sul, 30 de Maio 1982 (Episódio 14)

“Durante a noite recebemos a excelente notícia de que o Bob (episódio 12) tinha sido recolhido por um helicóptero Gazelle do exército após a conquista de Goose Green. Depois de dois dias repletos de aventuras a esconder-se dos Argentinos ele estava em boa forma e iria se juntar a nós brevemente! Pela segunda vez tivemos sorte e um de nós voltou a sobreviver contra todas as expectativas. Mas deixem-me contar alguns pormenores da nossa vida a bordo do HMS Hermes. A última “visita” antes de embarcarmos nos nossos Harrier era o escritório de manutenção, chefiado pelo Brian Mason e o Fred Walsh, sempre com um grande sorriso e uma piada pronta. Naturalmente, a papelada da manutenção foi drasticamente reduzida para as operações em tempo de guerra e os documentos necessários resumiam-se aos detalhes das armas que iríamos carregar e alguns comentários do piloto anterior sobre o estado do avião e algum problema que ele tivesse detectado. Nesta altura os nossos Harrier já mostravam sinais de várias avarias para as quais não tínhamos peças sobressalentes – o tempo de espera para as peças vindas de Inglaterra era de vários dias. As peças eram entregues por C-130 Hercules que descolavam da ilha de Ascensão, largavam as peças por pára-quedas perto do porta-aviões antes de regressavam novamente a Ascensão – uma maratona, com reabastecimento em voo, de 28 horas! De tal forma, os nossos Harrier voavam com bombas auxiliares fora de serviço (que causavam enormes problemas de assimetria no fluxo de combustível); sistemas hidráulicos que perdiam completamente a pressão sempre que o trem de aterragem recolhia e mais uma série de defeitos técnicos sérios com os quais jamais sonharíamos voar em tempo de paz. A acrescentar a isto, não esquecer os usuais danos de combate, denunciados pelas faixas de “speed tape” a cobrir buracos de bala e estilhaços.

A informação mais vital para nós pilotos era a localização do “nosso” Harrier GR.3 no convés de voo. Os aparelhos estavam misturados com os Sea Harrier da Marinha e não queríamos gastar meia-hora aos trambolhões á procura do avião certo. Antes de colocarmos pé no convés colocávamos os capacetes, principalmente para evitar perdê-los - qualquer objecto que fosse largado era imediatamente levado borda fora pelos fortes ventos do Atlântico Sul. Já tinha assistido a alguns momentos de cortar a respiração quando pilotos conseguiram perder os meticulosamente preparados mapas e foram forçados a correr “aos papéis” por entre os aviões. Segundo a “Sod’s Law” (o que pode correr mal, vai correr mal), sempre que metes o pé no convés, vais encontrar um Harrier no preciso momento da descolagem, adicionando mais uma lufada de ventania às dificuldades existentes. Bom, mas quando finalmente encontras o teu Harrier tens de fazer a usual inspecção, para confirmar se algum painel não estará aberto ou se não falta uma asa, o problema é que por vezes uma parte considerável do avião estava “pendurada” fora do convés, o que dificultava as coisas para dizer o mínimo… Finalmente, a Marinha tinha o maravilhoso hábito de estacionar os aviões com o trem de aterragem a centímetros dos elevadores do convés, que desciam sem aviso, deixando um buraco de 10 metros no local onde colocávamos os pés para subir para o cockpit – em mais de uma ocasião quase caí de costas para dentro do poço.”


Um Sea Harrier é lançado, não do HMS Hermes, mas do HMS Invencible. A foto mostra bem quão escassa é a margem de erro em tempo de guerra onde dois Sea King, um Sea Harrier e uma panóplia de armas (onde se vislumbra grande quantidade de bombas BL755 e, acima dos Sidewinder, um lote de torpedos) partilham o mesmo espaço. Depois dos ataques Argentinos com mísseis Exocet os procedimentos de manuseamento de armas no convés foram drasticamente alterados.

“A Marinha tinha o objectivo de manter uma aparência de grande organização e de controlo apertado, especialmente nas actividades relacionadas com a aviação. Para isso, um sistema de altifalantes interno era usado para transmitir todas as ordens e instruções com uma regularidade irritante. Por exemplo, 20 minutos antes da hora planeada para a descolagem, ouvíamos a mensagem; “PILOTOS AOS GRs” (a Marinha chamava-nos GRs), 10 minutos antes do lançamento; “LIGUEM OS MOTORES”, e assim por diante. Eram totalmente inflexíveis e descobrimos para nosso entretenimento que eles esperavam mesmo que obedecêssemos imediata e cegamente ás instruções. Numa ocasião estava sentado na sala de pilotos enquanto a mensagem “PILOTOS AOS GRs” ribombava pelo navio. Passados uns minutos um oficial furioso veio perguntar porque eu não estava já no cockpit de determinado Harrier.

“Porque o raio do avião está todo desmontado! Não consegues vê-lo pela janela da torre de controlo?”

A Marinha nunca compreendeu isto até ao fim do conflito - o problema residia na atitude de tempo de paz onde cada passo era estritamente controlado e esperava-se total obediência dos pilotos (que eram tratados com menos consideração que um míssil Sea Dart no paiol) mesmo que as ordens fossem totalmente inexequíveis ou desnecessárias.

“Bem, de volta ás realidades da guerra… As chefias da Royal Navy continuavam desesperadas para neutralizar de vez a pista do aeródromo em Stanley. As inúmeras tentativas de “loft bombing” executadas pelos Sea Harrier e pelos nossos GR.3 nunca tiveram o sucesso esperado e ninguém fazia ideia sobre o que fazer a seguir. Eram necessárias medidas extremas. Teríamos de ser nós no esquadrão a inventar uma forma de o fazer e eu já tinha uma ideia em mente. Por esta altura tínhamos finalmente recebido abordo do HMS Hermes um lote de bombas guiadas por laser Paveway (LGB), embora nenhum piloto Inglês tivesse experiência no seu uso. Infelizmente não existia nenhum LTM (marcador laser) disponível nas nossas tropas na linha da frente (todas as baterias estavam gastas), por isso sugeri ao “Boss” que poderíamos usar o poderoso laser YAG dos nossos Harrier para marcar o alvo. Em Março tínhamos recebido um briefing no Canadá sobre testes das bombas Paveway onde nos foi garantido que, numa emergência, os nossos lasers podiam ser usados para designar alvos. Bem, esta garantia acabou por se revelar uma grande treta, como iríamos descobrir uns dias mais tarde…


Nesta excelente foto vemos vários Harrier GR.3 e Sea Harrier FRS.1 a bordo do HMS Hermes. O Harrier mais próximo carrega duas bombas guiadas por laser Paveway, uma arma que poderia (e deveria) ter sido usada com muito mais eficácia - o seu uso foi muito limitado devido a vários problemas técnicos e de integração e, principalmente, á forma indiferente como foi vista e encarada pelas chefias militares.

"Assim, o meu plano para usar as Paveway era o seguinte; usar dois aviões, o primeiro transportava a bomba e o segundo seria o marcador do alvo. A aproximação ás Falklands seria a grande altitude, cerca de 9000 metros, seguida de um voo picado (quase vertical) em direcção á pista de aterragem. Com os bocais do Pegasus em modo “travão” (directamente para baixo, aliás, ligeiramente para a frente) a velocidade de mergulho seria relativamente baixa, o que permitiria ao Harrier “designador” apontar o laser tranquilamente ao centro da pista. O outro Harrier concentrava-se em largar a bomba a média altitude, quase na vertical, dando larga margem de tempo para que o reflector laser no nariz da bomba “encontrasse” o reflexo do alvo. Calculamos os tempos de voo da bomba e dos aviões e concluímos que seria possível recuperar do mergulho razoavelmente fora do alcance das armas anti-aéreas.

E assim foi. O Mark e o Tony Harper eram o próximo par de ataque na manhã seguinte e concordaram em usar a minha ideia para bombardear a pista de Stanley com as Paveway. Infelizmente, não viram nenhum impacto de bombas na zona do aeródromo. Nesta altura não sabíamos se o problema estaria no perfil de ataque ou no detonador da bomba (o detonador da Paveway também era de um modelo novo para nós). Esta foi a nossa primeira tentativa em explorar o valor operacional desta arma potencialmente excelente. Mas, escandalosamente, os nossos comandantes não apreciavam a urgência em colocar em prática todos os recursos essenciais para usar com sucesso bombas guiadas por laser; marcadores de alvos operacionais (com bateria!), um FAC com uma boa ligação rádio e, claro, uma bomba Paveway em condições. Além disso, um erro de julgamento crucial da Marinha iria atrasar ainda mais o uso destas armas, impedindo-nos de alcançar resultados visíveis quase até aos últimos dias da guerra. Até lá não tínhamos outra escolha senão continuar as perigosas missões tradicionais a baixa altitude que tanto custaram aos Americanos no Vietname, onde centenas de caça-bombardeiros foram abatidos ou danificados por fogo anti-aéreo. Não aprendemos nada…”

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HMS Hermes, Atlântico Sul, 30 de Maio 1982 (Episódio 16)

“A minha primeira ejecção de um Harrier foi extremamente violenta, e lembro-me perfeitamente de como a minha cabeça foi forçada até aos joelhos pelo impulso esmagador do rocket de 1300kg do assento. Depois, o alívio da abertura do pára-quedas e a sensação de repouso e silêncio enquanto sentia o vento frio na face. A minha primeira reacção foi ligar o meu transmissor pessoal de emergência para que o sinal pudesse ser captado á maior distância possível. Tinha apenas uma vaga ideia de quão perto estaria do Grupo Tarefa. (Deveria estar a apenas uns 80kms quando fiquei sem motor; depois o voo planado e o vento forte levou-me até aos 65kms.) O mar abaixo estava pontilhado de grandes massas de espuma branca mas nenhum sinal de qualquer navio. Atravessei as nuvens e preparei-me para o impacto da entrada na água quando, de súbito, ouvi o mais doce dos sons – o distinto chop-chop das pás de um helicóptero! Thank God for the Navy! Agora era tempo de me concentrar na entrada na água, coloquei o pacote de sobrevivência entre as minhas pernas e, de repente, o mar do Atlântico Sul subiu ao meu encontro.

Agora começou mesmo o pânico. Não consegui soltar o pára-quedas de imediato e o vento forte encarregou-se de me arrastar pelas ondas num autêntico carrossel. Felizmente fui arrastado de costas, senão poderia ter-me afogado muito rapidamente. No entanto, por muito que tentasse não conseguia chegar ao arnês para me livrar do pára-quedas, e com os meus dedos cada vez mais dormentes pelo frio cada tentativa era mais penosa – além disso, o volume do colete salva-vidas junto com a minha pistola Bowning não me permitia ver bem o que estava a fazer. Finalmente o pára-quedas recolheu, o que me permitiu retirar a balsa e insuflá-la, apesar de ainda estar preso pelo arnês. Um helicóptero Lynx já pairava sobre mim mas percebi que tinha de subir para a balsa primeiro para conseguir me livrar do pára-quedas. Com toda a minha restante força embalei-me com sucesso para cima da balsa e fiquei quieto de cabeça para baixo durante uns minutos, não me atrevia a mexer com medo de cair novamente para o mar gélido. Eventualmente, virei-me devagarinho e vi que o Lynx tinha sido substituído por um Sea King, que já deslizava um guincho na minha direcção. Cuidadosamente removi o arnês e a miríade de linhas que ainda me envolviam – se apenas uma ficasse presa, o guincho poderia magoar-me seriamente ao levantar-me com o peso do pára-quedas agarrado. Só quando tive 100% certeza de que todas as linhas estavam cortadas é que me agarrei ao guincho, que já tinha assobiado algumas vezes pela minha orelha. Agarrei-me firmemente ao guincho e fui içado abordo do Sea King – foi a primeira vez que fui içado sozinho para um helicóptero, a RAF costumava enviar um tripulante no guincho para ajudar o piloto e verificar se tudo estava seguro."


O contributo dos helicópteros no conflito das Falklands foi imensurável, quer do lado Inglês, quer dos Argentinos. Muitas vezes ofuscados pelo sucesso dos Sea Harrier ou pelas missões de longo alcance dos bombardeiros Vulcan, a verdade é que os diferentes tipos de helicópteros estiverem presentes em todo o tipo de missões; uma das quais de vital importância para qualquer piloto em combate – busca e salvamento. Nesta foto, dois Sea King HC4 operam na West Falkland.

"Deitei-me no chão metálico frio do helicóptero e senti-me, finalmente, seguro. O gritar ensurdecedor das turbinas e da transmissão davam-me uma sensação de tranquilidade. Este era um Sea King ASW, com a tripulação mais acostumada ao jogo de gato-e-rato com contactos submarinos e persegui-los com sonobóias, torpedos e cargas de profundidade. Para o piloto, ridiculamente jovem, e o muito mais velho Comandante-Observador, que operou o guincho, esta missão de salvamento deve ter sido uma alteração bem-vinda na sua rotina. Estava morto de cansaço mas agarrei o Observador e dei-lhe um grande abraço; até teria lhe dado um beijo, não fossem os capacetes estarem no caminho. Em 10 minutos aterramos de volta no HMS Hermes. Corri directo ás Operações e encontrei o John, que ficou estupefacto ao ver a minha cara coberta de sangue – resultado dos ferimentos superficiais causados pelo MDC (Miniature Detonating Cord) da canópia. O John tinha chegado só uns minutos antes de mim e ia tratar do debriefing com as Wings e com o Capitão. Quando desci até á sala dos pilotos dei de caras com o Bob (ver Episódios 12 e 14), que tinha acabado de chegar a bordo. Apertamos as mãos e a conversa foi algo deste género;

“Jerry, estás todo molhado – fostes dar um mergulho?”
“Mais ou menos. E tu? Ouvi dizer que tiraste uns dias de folga no campo – meu vadio!”

O Sea King que trouxe o Bob também captou o pedido de socorro que o John enviou quando eu me ejectei e, inicialmente, o piloto do Sea King dirigiu-se na minha direcção (apanhou o sinal do meu transmissor de emergência). Mas, eventualmente, recebeu ordens para voltar para trás porque já estavam helicópteros suficientes na zona. Teria sido um encontro interessante, o Sea King recolher-me da água e dar de caras com o Bob já lá dentro, certamente a fazer alguma graçola. De seguida fui visitar a Enfermaria, sentia-me bem (além do pescoço muito dorido) mas eles insistiam em fazer uma inspecção completa; cortaram o meu fato de imersão e procuraram por algum osso partido ou contusão. Findados todos os testes o Cirurgião-Chefe deu-me “alta” com as seguintes palavras; “Podes voar quando te sentires melhor do pescoço”. Não houve oportunidade para o costumeiro raio-x após uma ejecção; não tinham esse equipamento a bordo. (Aliás, em tempos de paz, na RAF, depois de uma ejecção, só era permitido ao piloto regressar ao cockpit passado um tempo considerável.)"


Um Lynx empenhado em missões de abastecimento. Na foto é perceptível ainda um Sea King e um Sea Harrier. Os helicópteros foram muito usados para movimentar as cargas mais urgentes entre os navios de apoio e os combatentes; especialmente munições, peças sobressalentes de todo o tipo e, não menos importante – o correio, para marinheiros, pilotos, soldados ou Marines.

"O Bob contou-nos a sua história; como foi abatido, a ejecção e a abrupta chegada ao solo – onde se aleijou nas costas. Também sofreu ferimentos temporários nos olhos, o que lhe dificultou bastante a visão – numa ocasião, escondeu-se durante bastante tempo de tropas Argentinas que, afinal, eram apenas ovelhas! Encontrou uma casa abandonada onde se escondeu uns dias, alimentando-se de alguns feijões perdidos na cave. Descontraído como sempre, o Bob dava a sensação que a dieta foi o maior sofrimento daquela aventura mas, apesar de não se queixar, viemos a descobrir que a sua lesão nas costas era mesmo séria. Enquanto relaxava comecei a pensar na sorte que tive. Não sou uma pessoa muito sorridente mas dei por mim a sorrir como um idiota a todas as pessoas que me perguntavam o que se tinha passado (as marcas e cicatrizes no rosto eram bem evidentes). O meu pescoço estava agora quase rígido e, depois de umas bebidas no bar e de um duche, fui para a cama onde aterrei como uma pedra…

Na manhã seguinte, o Pete, o John e o Tony Harper voltaram a atacar a pista de Port Stanley com as bombas laser Paveway e, uma vez mais, a frustração foi total. Nenhum impacto de bomba foi sequer observado. A única razão em persistirmos nesta táctica era por esta ser a única forma de colocar uma bomba de queda livre na pista com precisão e causar verdadeiros estragos. Mas, na realidade, estávamos a fazer testes de armas num teatro de guerra e com o inimigo a tentar abater-nos! Era agora aparente que os projécteis de 35mm das Oerlikon chegavam aos 6000 metros, altitude onde auto-detonavam espectacularmente. Mas, mais tarde nesse dia, recebemos uma resposta dos laboratórios de teste em Northwood;

Desistam de usar as LGB, o laser do Harrier GR.3 não é compatível com a Paveway.

Bloody marvellous!!"

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HMS Hermes, Atlântico Sul, 1-7 de Junho 1982 (Episódio 17)

“No início de Junho finalmente tivemos permissão para usar a pista improvisada em San Carlos. Excelentes notícias! A ideia era enviar de imediato para o local dois dos nossos pilotos por via marítima, para servirem de “controladores de aeroporto” e tratar de outros preparativos. Esses pilotos iriam aguardar no local a chegada dos primeiros Harrier GR.3, depois assumiriam o controlo desses aviões, voariam nova missão e regressariam ao Hermes para rearmar (não havia armas na pista em San Carlos, só combustível). Os outros dois pilotos ficariam no local a planear a próxima missão e, se necessário, passariam lá a noite. Como não tínhamos falta de pilotos (mas sim de aviões) este plano permitia extrair o máximo de missões possível e dava-nos um controlo muito maior sobre as operações. Como tínhamos dois pilotos em San Carlos a planear parte das missões, evitava-mos a aselhice e interferência da Marinha a bordo do Hermes.”


Os Argentinos instalaram um lançador fixo Roland nas Falklands, em Sapper Hill. Inicialmente, os Ingleses acreditavam que o tecto máximo do sistema rondava os 4200 metros mas, no dia 1 de Junho, Ian “Morts” Mortimer descobriu da forma mais penosa que a Intelligence estava enganada. O seu Sea Harrier foi prontamente abatido - “Morts” ganhou uma viagem de pára-quedas assim como oito horas a flutuar numa balsa até ser resgatado.

“No dia 2 de Junho ficámos todos aliviados por saber que o Ian “Morts” Mortimer, abatido na véspera, tinha sobrevivido. Ele contou-nos alegremente que, ao voar uma CAP (Combat Air Patrol) a partir do HMS Invencible, entrou despreocupadamente a 4200 metros de altitude no envelope de tiro do Roland em Sapper Hill. Pensava que estava fora do alcance e ficou surpreendido quando viu o flash e o rasto de fumo de um Roland a ser disparado. Virou para ver melhor a aproximação do míssil mas perdeu-o de vista. A seguir lembra-se de um enorme estrondo e o choque de ver o seu Sea Harrier a desfazer-se á sua volta. Não ficamos surpreendidos com a história dele; em nossa opinião foi imprudente em aproximar-se àquela altitude. Descobrimos que os pilotos a bordo do HMS Invencible estavam convencidos que o tecto máximo do Roland era de 3900 metros – informação que tinham retirado da International Defence Review. No Hermes também recebemos esse número, mas adicionávamos sempre mais 1500 metros pela “esposa e filhos”…


O Rapier, usado pelo Exército Inglês, demonstrou boas e más características. Durante e logo após o final do conflito, a reputação do sistema era muito elevada mas análises posteriores, mais cuidadas, revelaram que o sucesso não foi o esperado. Uma das deficiências era a falta de detonador de proximidade, o que exigia grande perícia do operador para garantir o essencial impacto directo no alvo. Também o IFF revelou problemas assim como o radar de aquisição. De qualquer forma, o Rapier foi um enorme factor de dissuasão para a aviação Argentina e a experiência em combate originou versões posteriores muito melhoradas.

“Um dos maiores perigos que os pilotos de Harrier enfrentavam, melhor dizendo, todos os pilotos Ingleses enfrentavam, eram as nossas próprias defesas anti-aéreas. Lembro-me de sermos informados que existiam problemas com o nosso equipamento de IFF; operadores dos mísseis Rapier do Exército relataram que se dois Harrier na mesma formação usassem o IFF, a resposta electrónica ficava corrompida e o sinal era interpretado como hostil. E só soubemos destes problemas após termos executado várias missões em apoio ás nossas tropas! Se calhar, até foi melhor assim… A acrescentar a estes problemas com as defesas do Exército ainda tínhamos de lidar com a incompetência da Royal Navy. Em vários ataques Argentinos a performance das defesas AA a bordo dos navios foi muito fraca; erros, confusões, problemas de equipamento e falta de comunicação - e o resultado foi a perda de navios com centenas de mortos e feridos. Por essa razão os operadores de SAM da Marinha andavam muito nervosos e ansiosos por “sangue”; prontos para abater qualquer avião – Argentino ou Inglês, pouco importava. E com a antipatia geral demonstrada pela Marinha em relação a nós, pilotos de Harrier da “inimiga” RAF, não estou a imaginar que ficassem com muitos remorsos se abatessem um dos nossos – o mais certo era dizerem que a culpa tinha sido nossa!”

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San Carlos FOB, Atlântico Sul, 8 de Junho 1982 (Episódio 18)

“A razão de ser da pista improvisada em San Carlos era permitir uma resposta mais rápida dos Harrier GR. 3 aos pedidos de apoio das tropas em combate do que aquela que era possível a partir de um porta-aviões a 370km de distância das Falklands. Mas a incompetência total da Royal Navy estragou tudo. Era suposto recebermos ordens do HMS Fearless, ancorado a menos de 3km, mas os montes e vales não permitiam a comunicação rádio por UHF ou VHF. Ninguém pensou em instalar um cabo ou outra ligação entre o navio e os aviões que era suposto comandar – esta falta de planeamento merece uma menção no Guinness!! Depois de todo o suor e sangue derramado durante 13000km para finalmente conseguirmos uma pista, ninguém pensou em estabelecer comunicações seguras! Para os Sea Harrier esta falha, felizmente, era relativamente inconsequente pois usavam a pista apenas como ponto de reabastecimento e a ocasional base de lançamento. E, em vez de receberem informações dos alvos do Fearless, os pilotos dos Sea Harrier eram avisados por outros colegas já no ar em CAP (Combat Air Patrol). Mas para as nossas missões de ataque ao solo, apoio próximo ou reconhecimento isso não funcionava – precisávamos de informações detalhadas e de várias fontes. A única solução era transmitir em sinal aberto HF para todo o Atlântico Sul ouvir!”

“Outro problema adicional era a vulnerabilidade dos Harrier na aterragem; rochas e detritos eram lançados sobre o forte impulso vertical do motor Pegasus, o que provocava danos na fuselagem e nas pás das turbinas - além de reduzir a visibilidade. Por estes motivos as aproximações verticais eram feitas a uma altitude superior ao normal, o que aumentava o risco de perda de controlo devido á distância dos pontos de referência. Assim, antes do briefing da manhã falei com o “Boss” e mencionei estes pontos. A minha argumentação era de que só devíamos usar a pista em último recurso - afinal perder um Harrier num acidente na pista era o mesmo que perdê-lo por acção inimiga. Como esperado, ele não concordava nadinha comigo, dizia que a pista iria facilitar a missão clássica de CAS, etc, etc. Isto era irónico, tendo em conta o que iria suceder pouco depois… Ás 11h30 eu e o Beech descolamos do Hermes em direcção á pista em San Carlos. Logo após a descolagem o rádio do Beech deu o berro completamente e não tive escolha – ordenei-lhe que voltasse ao porta-aviões. Passados cerca de 180km o meu rádio também começou a disparatar, e o IFF também não funcionava correctamente. Decidi que era melhor voltar para trás; não fazia sentido deixar um Harrier inoperacional em San Carlos. Assim sendo, o “Boss” e o Mark receberam ordens para nos substituir com os dois restantes aviões. O “Boss” foi o primeiro a tentar aterrar na pista mas a aproximação foi “demasiado baixa” (palavras do Mark). O Mark viu placas de alumínio da pista a dançarem no ar e a embaterem no Harrier do “Boss” que prontamente se despenhou logo a seguir á zona de aterragem. Nesta altura, eu já estava a bordo do Hermes e recebi uma mensagem das Operações; “um dos vossos aviões estatelou-se em San Carlos, vêm rápido!”.


A primeira “aterragem” na pista improvisada em San Carlos não correu como o esperado. O Harrier GR.3 pilotado por Peter Squire, o Comandante do No. 1 (F) Squadron (mais conhecido simplesmente por o “Boss”) estatela-se perto da encosta oposta. O piloto não sofreu ferimentos, apenas um abanar das ideias, mas quanto ao seu avião…

“Recebi alguns detalhes do acidente mas nada sobre a condição do “Boss”. Pensei para mim mesmo; “Meu Deus, agora sou eu o Comandante do Esquadrão!”. Pouco depois chegou a mensagem que ele estava porreiro apesar de algo abalado. (Mais tarde ele contou; “ao pairar vi pedaços da pista a voar á minha volta, tentei executar a transição na mesma mas o Harrier caiu literalmente do céu.”) Para o Mark todo este imbróglio representava outro problema; com a pista num total pandemónio com a queda do Harrier do “Boss” e com o seu avião sem combustível, era urgente encontrar um lugar para aterrar. Conseguiu fazê-lo com mestria num pequeno canto numa das extremidades da pista. Dois Sea Harrier em trânsito, também com pouco combustível, foram forçados a executar a primeira aterragem vertical a bordo do HMS Fearless e do HMS Intrepid (só existia espaço para um Sea Harrier em cada navio – mesmo á justa)."


…não se podia dizer o mesmo. Perda total…

“Um incidente engraçado aconteceu nessa tarde… Por esta altura o Capitão do Hermes tinha deixado de exigir um briefing de todos os líderes de formação de Harrier imediatamente após aterrarem no porta-aviões. Agora essa tarefa era responsabilidade de um Oficial de Ligação da Marinha. Fui ter com o dito oficial a seguir a uma das missões para escrever o MISREP (Mission Report) do ataque. Este sujeito não parecia entender nada sobre missões de ataque ao solo. Foi um debriefing hilariante, onde lhe expliquei que era surpreendente qualquer missão ser sequer executada tal a incompetência de planeamento da Marinha. Quando chegamos á parte de preencher o MISREP, onde era suposto descrever o que eu fiz na área do alvo, eu disse;

“Bem, eu disparei nas coordenadas que me deram – por isso escreva POSIÇÃO INIMIGA ATACADA, ok?”
“Oh, não posso escrever isso”, disse ele. “A ordem era DESTRUIR o alvo, não apenas atacá-lo!”

Ele estava mesmo a falar a sério - e não consegui conter uma grande gargalhada. Expliquei-lhe que com a luz escassa do fim de tarde era impossível identificar uma posição de artilharia naquele terreno; além disso, como raio é que eu ia saber se destruí o alvo ou não? Mesmo assim ele não estava contente;

“Mas não cumpriste com os requisitos da missão conforme a ordem escrita!”, disse com um ar ainda mais preocupado.

“Depois de mais umas gargalhadas deixei-o a murmurar e a resmungar com o que ia escrever nos papeis. Mais tarde falei com as Wings sobre a forma incompetente como o nosso Esquadrão estava a ser usado. Disse-lhe que mais valia atirarmos pipocas aos Argentinos porque, sem missões de reconhecimento, dificilmente conseguiríamos identificar alvos minimamente camuflados em encostas íngremes com rochas e arvoredo. Ele encolheu os ombros e disse que estava de mãos atadas, não podia fazer nada. Fiquei com a sensação que o escárnio e ódio do Capitão do Hermes contra a RAF exercia uma influência tão forte que ninguém da Marinha estava preparado para apoiar as nossas sugestões por medo de o antagonizar…”

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San Carlos FOB & HMS Hermes, Atlântico Sul, 9-11 de Junho 1982 (Episódio 19)

“Depois de um período em alerta no convés, chegou a minha vez de me deslocar até á pista improvisada em San Carlos. Eu e o meu asa, o Beech, fomos muito cuidadosos na aproximação; pairamos muito alto (cerca de 100 metros) e só depois fizemos a transição para voo vertical. O tempo estava muito bom e fiquei surpreendido com a posição muito exposta da pista; ficava paralela a uma encosta em solo com pouca vegetação e perfeitamente visível do ar (um piloto de ataque como eu pensa logo nestas coisas…). A Este ficava uma depressão no solo onde os helicópteros tinham um ponto de reabastecimento – partilhavam os tanques com os nossos Harrier. Também havia uma bateria de mísseis Rapier logo a Oeste da pista por isso tínhamos de ser extremamente cuidadosos em seguir os procedimentos de aproximação para não sermos alvejados."


Nesta foto alguns Royal Marines dão escala aos mísseis Rapier. Tendo em conta o registo pouco impressionante nas Falklands, os pilotos dos Harrier não tinham grande confiança no sistema. Apesar do fraco desempenho operacional, o Rapier manteve-se em serviço na RAF durante vários anos e foi continuamente melhorado.

“Ironicamente, um Harrier em aproximação para aterrar, a baixa velocidade, baixa altitude, com as luzes acesas e o trem em baixo, era o único alvo que os Rapier garantidamente conseguiriam atingir. Apesar dos largamente exagerados “sucessos” dos Rapier durante o conflito, a verdade é que após pesquisas feitas após o fim das hostilidades (junto com fontes Argentinas) só um avião inimigo foi confirmado abatido unicamente pelos Rapier. Um abate confirmado – depois de mais de 70 mísseis disparados! Este facto, meticulosamente estudado e comprovado (e embaraçoso), foi previsivelmente ignorado pela RAF e British Aerospace – era uma verdade demasiado desconfortável para admitir em público. Durante anos a doutrina de defesa AA das bases da RAF baseou-se na inflacionada capacidade deste sistema, que não conseguiu produzir os resultados esperados num cenário de combate real. Mas, em comparação, a bazófia dos operadores dos Rapier fazia dos pilotos de caça indivíduos bastante tímidos e comedidos. Também existiam outros alvos que os operadores de SAM da Marinha conseguiam atingir facilmente; infelizmente, nem todos eram inimigos. Nesta altura ouvimos falar de um golo na “própria baliza” que acabou por ser abafado durante vários anos. Numa noite ouvimos falar que o Exército tinha perdido um helicóptero; desapareceu sem deixar rasto. Pouco depois um relatório do HMS Cardiff informava de um ataque a um alvo aéreo a baixa altitude com um míssil Sea Dart. Um abate foi reivindicado, apesar de ser demasiado longe para ser confirmado visualmente. Um oficial da Inteligência com um QI acima da média suspeitou que os dois eventos estavam relacionados, apesar da negação da Marinha e do Exército. Mas, passados alguns anos, a Marinha confirmou que tinham abatido por engano o Gazelle desaparecido.”

O Sea Dart também demonstrou insuficiências nas Falklands. Na sua função principal, defesa aérea de longo alcance e grande altitude, revelou-se competente mas nos letais ataques Argentinos a baixa altitude foi um fracasso. A incapacidade de lidar com alvos cruzados rápidos e/ou com perturbações criadas pelas montanhas, foram as maiores limitações do sistema. Limitações que os Argentinos conheciam (também possuíam o Sea Dart em destroyers Type 42) e souberam explorar.

“O dia 10 de Junho começou com bom tempo e as coisas no terreno pareciam começar a aquecer – a batalha por Port Stanley estava prestes a rebentar. Nessa tarde, eu, o Tony e o J.R. planeamos novo teste com as bombas guiadas por laser Paveway. Era uma arma que sabíamos ter enorme potencial para o sucesso das nossas missões e, também, para a nossa própria sobrevivência. Nos últimos dias tínhamos recebido algumas bombas a bordo do HMS Hermes e tivemos vários contactos com as forças especiais (SAS) sobre a melhor forma de usar a arma com a ajuda deles. Apesar das nossas tropas disporem de LTMs (Laser Target Marker) na frente de combate, as baterias constantemente falhavam na hora da verdade. Passei boa parte da manhã a organizar um teste de treino na zona da Lafónia; era essencial que as coisas corressem bem, tínhamos de colocar as Paveway a funcionar o mais rápido possível. Para que todos os envolvidos estivessem em posição com tempo de sobra, estabeleci o ToT (Time on Target) ás 18h00. Infelizmente o Almirante descobriu o nosso teste a seguir ao almoço e, como faltavam ainda algumas horas, decidiu que; “Quero que a hora do teste seja antecipada! Assim, podemos fazer dois testes antes do escurecer!”. O Oficial de Operações ligou-me com esta notícia de última hora e eu expliquei em desespero que a lentidão das comunicações significava que os soldados do SAS no terreno não iam receber a informação antes das 18h00. Nada feito. A Marinha não quis saber e o teste foi alterado para as 17h00. Quando o Harrier do Tony equipado com duas Paveway sobrevoou a Lafónia e tentou estabelecer contacto com o SAS, não obteve resposta. Como eu tinha previsto, o SAS não recebeu a mensagem. O Tony regressou ao navio e teve de deitar mais duas valiosas Paveway ao mar antes de aterrar… Mais uma vez, o resultado da estupidez e arrogância da Marinha foi o desperdício de uma grande oportunidade de validar um perfil de lançamento de uma arma fundamental.”


Um Harrier GR.3 aterra de volta no HMS Hermes, sobre o olhar atento dos marinheiros no convés. O perfil de nariz de um Sea Harrier é visível á esquerda, bem como um Sea King ao fundo.

"Não tínhamos dúvidas que, do ponto de vista das operações de ataque ao solo, as nossas missões iriam ser cada vez mais duras. Com o perímetro á volta de Stanley cada vez mais reduzido e as forças Argentinas cada vez mais confinadas, a concentração de artilharia anti-aérea, SAMs e fogo de armas ligeiras iria ser terrível. Após semanas de combates incessantes as nossas forças terrestres estavam em posição para o avanço final. Helicópteros voavam dia e noite carregados de tropas, armas, munição e mantimentos. O que não podia ser transportado por ar tinha de ser carregado nas costas da exausta infantaria através de um terreno excruciante. Sacos-cama, cobertores e tudo o mais excepto as rações mais vitais era deixado para trás para que cada soldado pudesse carregar o máximo de munição pelas pantanosas e rochosas encostas – uma distância de 70km, desde os locais de desembarque em Ajax Bay.

Tivemos outro dia de bom tempo a 11 de Junho, e eu ansiava por testar novamente a combinação bomba guiada por laser e marcador laser no solo. Na primeira missão do dia o Tony Harper, acompanhado pelo Nick Gilchrist, transportou duas bombas Paveway para atacar Port Stanley. O FAC (Forward Air Controller) seria um homem do SAS que esteve escondido e camuflado durante vários dias numa península com vista directa para a cidade. Ele estava equipado com um marcador laser (LTM) e iria designar o Quartel-general dos Argentinos – um alvo muito importante. Este homem do SAS era, obviamente, um sujeito duro e corajoso mas não percebia grande coisa sobre bombas guiadas por laser. O seu primeiro comentário por rádio, quando o Harrier do Tony chegou foi; “Peço desculpa, a bateria do LTM está morta mas é possível fazer o ataque na mesma?”. Sem o sistema laser a bomba iria cair em qualquer lugar na cidade e o Tony, sabiamente, rejeitou o pedido e largou as duas Paveway no mar. Assim, mais duas bombas desperdiçadas e ainda não tínhamos sequer provado se a combinação LGB/LTM funcionava."

“Same shit, different day…”.

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