Vignette – Hughes OH-6 Cayuse (Loach), o melhor helicóptero ligeiro de combate? 🚁

Bien Hoa, Vietname, 1965 (Episódio 1)

Para qualquer entusiasta da aviação, a guerra no Vietname imediatamente invoca imagens dos versáteis F-4 Phantom, dos impressionantes bombardeiros B-52 Stratofortress ou dos ágeis MiG-21 Fishbed. Se perguntarem por helicópteros, bem, a resposta é ainda mais fácil; o Bell UH-1 Iroquois (nome que ninguém usava), mas universalmente conhecido como “Huey”, foi “O” helicóptero do Vietname. Mas como em todos os conflitos, também existiram máquinas que, apesar de não partilharem a mesma fama, partilharam os mesmos perigos e as mesmas tribulações. Uma dessas máquinas foi o fenomenal Hughes OH-6 Cayuse (nome que também ninguém usava), mais conhecido como “Loach”. Leve, incrivelmente ágil, potente e robusto, o pequeno helicóptero era venerado pelas tripulações. A missão de reconhecimento e busca que desempenhavam exigia coragem (ou “loucura”, conforme as opiniões), perícia e uma boa dose de sorte. E o “Loach” era a máquina certa para o trabalho.


O OH-6 “Loach” no seu habitat natural. Muito leve (menos de 500kg vazio e cerca do dobro á descolagem) e extremamente directo nos controlos, o helicóptero da Hughes revelou-se uma soberba peça de engenharia aeronáutica e um autêntico deleite de pilotagem. Segundo os pilotos do Exército Americano que transitaram da anterior geração de helicópteros com motores de pistão (mais pesados e lentos) foi como passar de uma “banheira” Cadillac para um Porsche!

Dizia-se no Vietname que as tripulações de reconhecimento tinham tomates do tamanho de bolas de basquete mas cérebros do tamanho de ervilhas. Não era para menos. Ao contrário da maioria dos pilotos, as tripulações de helis de reconhecimento viam o inimigo olhos nos olhos. Voavam a poucos metros do solo, á procura de pequenos sinais como pegadas, fogueiras ou algum objecto estranho. Faziam-no logo acima da copa das árvores ou até, por baixo delas! Quando encontravam o inimigo o procedimento padrão era marcar o alvo com uma granada de fumo e pedir um ataque de artilharia ou a ajuda dos gunships “Cobra” mas, com o inimigo a poucos metros de distância, o contacto violento era muitas inevitável e violento. Mas a melhor forma de conhecer mais sobre as missões e experiências destas tripulações, e dos seus “Loach”, é ouvir da boca dos próprios. O piloto Tom Pearcy recorda como numa das suas primeiras missões no Vietname a bordo do “Loach” as coisas não correram como o planeado…


Um dos primeiros OH-6A a chegar ao Vietname, neste caso o S/N 65-12925, o décimo da linha de montagem. Também um dos primeiros a ser equipado com a Minigun XM27 no lado esquerdo da fuselagem. As tripulações de reconhecimento pagaram um preço elevado em tripulações e helicópteros. Segundo o DoD foram perdidos 4867 helicópteros no Sudeste Asiático entre Janeiro de 1962 e Março de 1973. A maioria eram, obviamente, “Hueys” mas, em termos proporcionais, os “Loach” sofreram o maior número de baixas; dos 1419 produzidos, 842 foram perdidos na guerra.

O meu código era Blue Ghost 18 e, junto com um UH-1C “Huey” gunship (pilotado pelo Greg e pelo Owens), tínhamos de averiguar uma base inimiga numa pequena aldeia. O terreno era composto por colinas cobertas com árvores altas e espessas e periodicamente surgiam pequenas clareiras e arrozais. Quando chegamos á aldeia notei algo que já tinha ouvido falar várias vezes mas nunca visto pessoalmente; tocas de aranha (spyder holes). Vi quatro ou cinco ao longo de um trilho rumo á aldeia. Chamei a atenção do meu artilheiro, o Ed Gay, e voltei para trás para ver melhor. Quando me aproximei, as coberturas dos buracos foram pelos ares e saíram de lá vários indivíduos a disparar com AK-47s e espingardas de ferrolho! Claro que a vinha voz subiu várias oitavas quando gritei; “Estão a disparar contra nós!”. O Ed ficou tão exaltado que atirou uma granada de fumo sem tirar a cavilha. O Greg perguntou pelo rádio de onde vinham os disparos e eu respondi; “Ali atrás! Ali atrás!”, sem lhe dar indicações nenhumas de direcção. Fiz nova curva de 180º e dirigi-me á área para a marcar com fumo, e desta vez executei alguns ziguezagues, mas voltamos a ser atingidos algumas vezes. A minha voz subiu mais seis oitavas mas conseguimos lançar a granada de fumo no alvo. Enquanto o Greg lançava foguetes de 70mm eu transmitia-lhe as correcções necessárias; “um pouco mais á esquerda”, “50 metros mais á frente”. A seguir ouvi o Ed com uma voz trémula; “Sir…Sir…uh…árvore!!” Olhei para a frente e vi a maior árvore imaginável mesmo em frente ao meu nariz! Virei á esquerda com toda a força e falhei a árvore por meros centímetros (na realidade seriam 1 ou 2 metros). Mas isto tudo fazia parte do plano VC, porque aquela árvore estava armadilhada com minas claymore, ou algo parecido. A explosão arrancou a cauda e o rotor traseiro, o motor começou a fazer uma chiadeira terrível e parou logo a seguir. Voei por mais uns 50 metros e senti que o controlo do helicóptero estava a fugir-me rapidamente. As palavras do meu instructor vieram-me á mente; “Há sempre lugar para aterrar um helicóptero numa emergência”. Ah é, sabichão? Então onde vou aterrar no meio deste arvoredo todo? Acabei por fazer uma auto-rotação a velocidade zero e nivelei no topo das árvores. Caímos uns 9-12 metros por entre a folhagem e acabamos invertidos com as pás do rotor a cortar uma espécie de clareira. Desliguei o sistema eléctrico e saímos do “Loach” apenas com as nossas armas e algumas granadas de fumo. Lembro-me de ver os meus dedos ensanguentados, o meu co-piloto tinha as calças molhadas e o artilheiro sofreu uns arranhões na cara, cortesia da sua metralhadora M60. Por isso, nada de grave. Depois descobrimos que as granadas de fumo eram todos de cor verde - não iriam servir de muito no meio daquela vegetação. Mas o Greg, mesmo assim, encontrou-nos sem grande problema e algum tempo depois ouvimos um veículo blindado de transporte de tropas M113 que nos recolheu. O “Loach” foi mais tarde recolhido e reparado.


Os engenheiros da Hughes fizeram um trabalho notável no design do Cayuse. A colocação do motor (neste caso, uma turbina Allison T-63 de 250cv de potência e apenas 62kg de peso!) num ângulo de 42º permitiu economizar muito espaço com a vantagem adicional de tornar o acesso mais fácil para manutenção. A lendária robustez e “sobrevivência” do helicóptero também muito deve á localização da turbina. Conforme o diagrama, a turbina, caso de solte numa queda ou aterragem de emergência, não atinge a tripulação. O cubo do rotor e a transmissão também estão montados acima da antepara principal, o que aumenta a rigidez da estrutura. Em helicópteros como o famoso “Huey”, as turbinas, transmissão e cubo estão montados directamente acima da cabina e facilmente esmagam a tripulação numa crash-landing. Outro problema da montagem “alta” destes componentes é o elevar do centro de gravidade e, num impacto frontal, o peso vai forçar e enterrar o cockpit contra o obstáculo. Dizia-se no Vietname que; “se tiveres mesmo de te despenhar num helicóptero, que seja num Loach”…

“That’s a damn Minigun!”, Los Angeles, USA, 1995 (Episódio 2)

As tripulações de reconhecimento dos “Loach” eram compostas por três homens; piloto, observador e, na traseira, o artilheiro (geralmente no lado direito). O artilheiro, na prática, passava mais tempo fora do helicóptero do que dentro, com um pé (ou dois!) no patim á procura do inimigo ou a disparar a sua arma. Outra opção, que ficava ao critério das tripulações ou da unidade, era o transporte do sistema M27, a famosa Minigun, na cabine no lado esquerdo. Esta opção substituía o artilheiro mas não era consensual; muitos pilotos preferiam confiar no par de olhos extra do artilheiro e, no caso de uma aterrarem de emergência, três homens sempre eram melhores do que apenas dois para defender o perímetro - enquanto aguardavam o resgate. Caso a Minigun fosse transportada o observador acumulava as funções do artilheiro.


O sistema M27 envolvia vários componentes; a General Electric M134 de seis canos de calibre 7,62x51mm, o motor eléctrico, o essencial (e muitas vezes esquecido) delinker e a caixa de munição (2000 cartuchos no caso do “Loach”). Tudo somado; 140kg, daí a necessidade de suprimir o artilheiro – até porque ficava quase sem espaço. Mas, caso pensem em usar uma Minigun “á la Schwarzenegger”, não se esqueçam de adicionar a pesada bateria. Outras particularidades; ao contrário de uma arma convencional, como a metralhadora M60 ou espingarda M16 ou AKM, que utilizam de uma forma ou outra os gases e/ou o recuo do disparo para completar o ciclo e alimentar o cartucho seguinte, a Minigun é eléctrica. È o motor eléctrico que acciona todo o mecanismo, por isso, sem energia, nada feito. Mas também significa que é possível ajustar a cadência de disparo com relativa facilidade – é apenas uma questão de alterar a potência do motor. No “Loach” o piloto podia optar por duas cadências; ao pressionar o botão do gatilho até ao primeiro estágio a arma disparava a 2000 disparos por minuto mas se pressionasse totalmente o gatilho a cadência dobrava para 4000. Mas para poupar a arma e evitar sobreaquecimento o sistema só permitia rajadas de 3 segundos por cada pressão no gatilho. Existia uma mira no cockpit do “Loach” mas os pilotos preferiam marcar com um lápis directamente no vidro o ponto de impacto – era mais rápido e intuitivo. O piloto podia movimentar a arma em elevação (+10º a -24º) mas não em azimute; para acompanhar alvos lateralmente era necessário recorrer aos pedais e apontar todo o helicóptero.


Pode parecer estranho designar como “Minigun” uma arma com tamanho poder de fogo mas é apenas uma questão de perspectiva. A M134 foi desenvolvida a partir de outro produto extremamente bem sucedido da General Electric; o canhão M61 Vulcan de 20mm, usado por quase todos os caças e caça-bombardeiros da USAF/USN desde os anos 60 até aos dias de hoje. E quando colocados lado a lado, conforme a imagem, é normal considerar a M134 como uma mini…

James Howard, que serviu no Vietname, lembra algumas das vantagens (e desvantagens) da Minigun;

“Ao aproximar-se de um alvo durante um combate, o piloto dependia de vários factores para se manter vivo. Claro, dependia das suas habilidades como piloto assim como da habilidade do artilheiro em providenciar fogo supressivo quando necessário e da ajuda e cooperação dos outros helicópteros na formação. No entanto, alguns pilotos preferiam levar a Minigun em vez do artilheiro.

A arma não só dispunha de um enorme poder destrutivo mas também suscitava um efeito psicológico no piloto; dava-lhe confiança e a impressão de que, quando disparava, ele era indestrutível. A Minigun fazia um belíssimo rugido e cuspia uma linda labareda de 30cm de largura e um metro de comprimento. Claro que a pontaria do piloto era limitada mas a disparar 80 balas de 7,62mm por segundo o mais certo era atingir qualquer coisa. E na mente do piloto, este poder de fogo obrigava o NVA (Exército do Povo do Vietname) e os “gooks” (termo derrogatório histórico atribuído a todos os elementos do vietcong - e não só) a esconderem-se e a não dispararem em retorno. Outro efeito era de que quando a Minigun disparava, o piloto não conseguia ouvir mais nada (nem os disparos da artilharia anti-aérea inimiga) dando-lhe a (falsa) sensação de que estava totalmente seguro.”


Ainda sobre a lendária habilidade do “Loach” em sobreviver a danos e proteger a tripulação; numa aterragem forçada a estrutura oval da cabine reforçada funcionava como uma bola de bowling a alta velocidade, rompendo por entre árvores e arbustos e resguardando os ocupantes. Outros componentes, como rotores, cauda e patins facilmente se separavam mas a cabina mantinha-se intacta e não era incomum após um acidente grave (e geralmente letal noutros helicópteros) ver a abalada tripulação sair pelo próprio pé do seu interior. Na imagem mais acima, vemos um “Loach” do 5th Cavalry, abatido por um RPG que, felizmente, não detonou. Se repararem, no painel do motor, encostado á cabina, vê-se claramente o buraco de entrada do rocket. A tripulação sobreviveu. A outra imagem mostra um “Loach” abatido em Agosto de 1969. Apesar dos danos graves e de ter perdido muitas peças, o “Ovo Voador” protegeu a “peça” mais importante, a tripulação que, apesar de ferida, sobreviveu. E provando que os soldados nunca morrem, este “Loach” foi reparado e continuou a servir até 1972.