Base Aérea Avançada N1, Shyroke, Ucrânia, 3 Novembro 2024 (Episódio 1)
O Tenente Marko Aliyev, piloto da Brigada Aérea Táctica 40 da Força Aérea da Ucrânia, recorda uma missão típica durante o difícil Outono-Inverno de 2024;
“Eu deveria estar a dormir mas é difícil relaxar nas horas anteriores a uma missão operacional. Estamos estacionados na base avançada N1 já faz duas semanas e, apesar das condições austeras, não nos podemos queixar. Esta base, assim como muitas outras espalhadas pela frente, foi preparada meticulosamente para receber os F-16. Localizada mesmo ao lado da “verdadeira” base de Shyroke, a estrada paralela foi discretamente pavimentada e reforçada para suportar operações de F-16 e as várias antenas de comunicação e ILS camufladas entre as árvores. Não usamos quase nenhum edifício perto de Shyroke, todos os serviços e aviões estão espalhados e escondidos nas florestas adjacentes. Mas isso também significa que a preparação para descolar cada avião é bastante mais demorada; as aeronaves são armadas e abastecidas longe da pista e depois rebocadas até ao ponto de partida. Junto com os restantes preparativos de segurança; como desviar o trânsito e remover uma série de artigos de engodo e obstáculos, é tarefa para uns bons 30 minutos. Mas para as nossas missões não faz grande diferença. Ninguém está á espera que façamos missões QRA… Também recebemos informações de vigilância da NATO; sempre que a órbita de um satélite Russo (ou Chinês) se aproxima toda a área é devidamente “ofuscada”. Os meios de reconhecimento táctico dos russos são limitados mas, se for necessário, podemos evacuar a base em pouco tempo. A bateria de NASAMS que nos defende já interceptou dois mísseis cruise russos mas nada indica que tenham descoberto a nossa posição exacta, o alvo seria certamente Zaporizhzhia.”
Idealizado nos céus do Vietname, forjado para o combate no teatro europeu na Guerra Fria nos anos 80 e vindicado nos vários conflitos no Médio Oriente, o F-16 tem lugar de destaque no selecto Panteão dos melhores caças da História.
“A minha missão de hoje é um “serviço Uber” (depois explico) de rotina até Donetsk. O alvo é um armazém de munições na zona Sul, uma área onde já operamos algumas vezes. Não sei de onde chegam as informações destes alvos – raramente são mencionadas as fontes. Mas há quem diga que são fruto das operações SIGINT da NATO no Mar Negro ou talvez os nossos agentes infiltrados (ou apenas simpatizantes) atrás das linhas inimigas. Bom, pouco importa. A hora de descolagem será ás 3h00 da manhã, talvez os russos estejam sonolentos ou a recuperar de uma bebedeira. A configuração será a normal para as missões de ataque; dois “sacos” (tanques externos), duas JDAM de 900kg, dois mísseis AMRAAM e um pod ECM no suporte ventral. Uma carga ofensiva relativamente leve (fruto das limitações do comprimento e resistência da pista) e combustível mais que suficiente para fazer frente a eventuais desvios e “surpresas” - caso a base N1 esteja inoperacional, será possível voar até uma base alternativa. As condições climatéricas (e a visibilidade) não são as ideais mas a previsão é de que melhorem um pouco até á hora da descolagem. Enquanto me ocupo com os últimos preparativos e da papelada surge o Denys Voronin, um dos pilotos mais recentes, e impertinentes, da unidade;
“Vais mesmo sair hoje? Com este frio?”, pergunta o meliante, com o seu ar de adolescente…
“Alguém tem de combater, piolho. Também, não está a dar nada de jeito na televisão”, respondi-lhe.
“Qual é o serviço?”
“Uber, até Donetsk. Um depósito de munições.”
“Ui, cuidado que aquilo anda perigoso… Diz-me, se não voltares ou ficares prisioneiro, posso convidar a tua namorada para sair?”
Ainda lhe atirei com o sapato mas o rapazola já ia longe. Depois trato dele, agora são horas de trabalhar.”
Qualquer missão que sobrevoe território ocupado incorre, naturalmente, mais riscos. Mas desses riscos também resultam potenciais ganhos e benefícios. Os F-16 devolveram á Força Aérea Ucraniana a flexibilidade para contrariar e recuperar algum controlo sobre as áreas ocupadas e até conquistar, localmente, superioridade. As missões de ataque e interdição são determinantes para manter os Russos na incerteza e representam mais de 80% do total das horas de voo.
“A descolagem foi atrasada 30 minutos. Dificuldades de coordenação com as missões SEAD obrigaram a reprogramar os pontos de encontro e os “timings” para cruzar a linha da frente. Pelo menos, durante a espera, o tempo melhorou, resta uma chuva miudinha e uma ligeira brisa vinda de Leste. A descolagem decorreu sem problemas e passados alguns minutos cruzo o Rio Dnipro. Confirmo que os sistemas ECM/ESM e códigos IFF estão completamente operacionais – qualquer dificuldade nesta área é razão para abortar a missão imediatamente. Ninguém quer arriscar ser abatido por um Patriot ou um Aster. Infelizmente, já perdemos um F-16 (há quem diga dois) num incidente “blue-on-blue”. Mas outras notícias inquietantes começam a surgir. Pouco depois de sobrevoar Petropavlivka, e apesar de manter uma altitude muito baixa, o display do ESM indica sinais de VHF. Mer*!
"Outra vez o radar Nebo. Os russos mantém um radar de longo alcance algures na zona de Luhansk. Já o tentamos neutralizar várias vezes mas os russos mudam-no de posição constantemente. No esquadrão é conhecido como o “Olho de Sauron”… “escondido na sua fortaleza o olho vê tudo”… Ou algo assim, não sou grande fã do Senhor dos Anéis. Bom, este radar não é uma ameaça imediata mas vai colocar em alerta toda a rede de defesa anti-aérea russa. Reduzo ainda mais a altitude e faço um desvio de uns 30kms para Sul e atravesso a linha da frente na zona de Krasnohorivka. Alguns pilotos confessam-me que sentem uma grande sensação de angústia sempre que atravessam a “zona cinzenta” mas eu não partilho desses medos. Claro que o nível de alerta e ansiedade aumenta, mas não considero estar em “território inimigo”, afinal, estou a sobrevoar a Ucrânia. Claro que está ocupada pelos russos, mas continua a ser território Ucraniano, a minha casa. Por isso não sinto tanta angústia. Ou talvez seja apenas um mecanismo de defesa do meu cérebro.”
A Base Avançada N1 foi uma de 13 construídas entre Julho e Agosto com a ajuda de equipas da RAF e da Força Aérea Dinamarquesa. Foi mais tarde rebaptizada como “Base Austin”, em honra do Secretário de Defesa dos EUA.