Baseado num relatório do CNA (Center for Naval Analyses) de Abril de 2023 e em outros documentos e fontes é possível retirar algumas conclusões sobre os pontos fortes e fracos das VKS (Forças Aeroespaciais da Rússia) e analisar tácticas e procedimentos operacionais de fundo. Pelo menos, será possível desmistificar o mito, infinitamente repetido por veículos de informação (muito) mal informados, de que os Russos “ainda não usaram a Força Aérea” ou que só não o fazem por motivos humanitários. Irei fazer um pequeno resumo da linha temporal e das lições que se podem retirar até ao momento (ao longo de vários posts) apesar de faltar informação táctica mais detalhada sobre as operações russas e do seu ponto de vista operacional.
Poucos esperavam que os Força Aérea Ucraniana conseguisse resistir mais que quinze dias á enorme superioridade material dos oponentes Russos. Mas as deficiências de treino, equipamento e doutrina da herdados da União Soviética mostraram-se determinantes. Além de outro factor que os Russos não contavam de todo – a total determinação Ucraniana em defender o seu território e a sua liberdade.
Contra todas as expectativas dos militares e analistas ocidentais, as muito maiores, melhor equipadas e tecnologicamente mais evoluídas VKS foram incapazes de estabelecer superioridade aérea sobre os oponentes Ucranianos. O aspecto que mais influenciou a campanha aérea Russa foi o falhanço em encontrar, localizar e destruir o grosso dos sistemas de defesa anti-aérea inimigos. No final de 202, a Força Aérea Ucraniana continuava a operar um grande numero de baterias de “Buk” (SA-11), S-300 (SA-10) e “Gladiator” (SA-12) e o Exército mantinha também operacionais numerosos sistemas “Osa” (SA-8). O uso eficaz de todos estes sistemas negou á Rússia qualquer ambição de conquistar superioridade aérea nos céus da Ucrânia e, ainda hoje (Julho 2023), as VKS operam com muita cautela quando próximas das linhas da frente.
Foram os sistemas de defesa aérea de origem Soviética, como o S-300 e os Buk, que defenderam os céus da Ucrânia durante os primeiros meses da invasão. Apesar da interferência electrónica a que foram sujeitos, estes sistemas raramente estiveram fora de combate por mais de 24 horas.
Apesar da enorme superioridade material e de recursos em favor das VKS no domínio aéreo a tarefa de missões SEAD/DEAD (supressão/destruição de defesas anti-aéreas) era significativo. A Ucrânia começou a guerra com um arsenal impressionante; três brigadas e três regimentos de S-300, uma brigada de S-300V “Gladiator” e pelo menos duas brigadas de “Buk” – além de mais de 100 SA-8 operados pelo exército. Ao contrário do que aconteceu no domínio terrestre, onde recebeu vastas quantidades de equipamentos de nações aliadas ainda antes da invasão, no domínio da defesa aérea a Ucrânia defendeu em grande parte o seu território com as suas próprias armas até Outubro de 2022. No entanto, durante os primeiros meses da invasão, a Ucrânia recebeu milhares de mísseis Stinger de curto alcance. Tornaram-se rapidamente uma séria ameaça para as aeronaves Russas a baixa altitude, juntamente com os stocks de mísseis “Igla” e “Strela”. Mas foram os S-300 e SA-11 que obrigaram os russos a voar mais baixo, dentro do envelope de tiro destes MANPADS. A partir de Outubro de 2022 os sistemas IRIS-T, Gepard e NASAMS foram sendo introduzidos e tornaram-se vitais para enfrentar a ameaça dos mísseis cruise e drones russos.
Os MANPADS, como os Stinger e Igla, tornaram os voos a baixa altitude um risco incomportável para as VKS. Mas foi o facto da defesa Ucraniana ter conseguido manter a integridade dos sistemas de médio/longo alcance que obrigou os Russos a procurar refúgio (sem sucesso) em voos a menores altitudes.
Com o intuito de neutralizar o sistema anti-aéreo Ucraniano, os Russos iniciaram a invasão com uma campanha SEAD que incluía alguns elementos DEAD. A primeira foi muito mas eficaz que a segunda. Na manhã de 24 de Fevereiro de 2022, bombardeiros Tu-95MS e Tu-160 lançaram vagas de mísseis cruise Kh-101 e Kh-555 coordenados com o lançamento de mísseis Kalibr a partir de navios no Mar Negro e mísseis balísticos Iskander lançados de terra. Por outras palavras, os Russos sincronizaram fogos de precisão múltiplos de longo alcance num plano unificado – uma doutrina essencial da estratégia Soviética. Estes ataques foram acompanhados por missões de guerra electrónica e interferência dos sistemas de radar e comunicações Ucranianos - muitos sistemas de mísseis e radares ficaram efectivamente “cegos” durante as primeiras horas da invasão. Em alguns casos foi necessário substituir componentes e executar múltiplos “resets totais” para voltar a ligar as baterias ao comando central. A Rússia foi capaz de empregar o seu vasto conhecimento dos sistemas SA-10/SA-12/SA-11/SA-8, dado que todos eles se originam da antiga união Soviética e continuam a ser usados pelas próprias forças Russas. No entanto, ao longo dos anos, os Ucranianos melhoraram e aperfeiçoaram muito do hardware e software destas armas – o que levou a que os danos permanentes dos ataques electrónicos provocassem muito menos contratempos do que o esperado pelos Russos.