Poder Aéreo Russo na Invasão da Ucrânia – Factos e Mitos (Parte 1)

Baseado num relatório do CNA (Center for Naval Analyses) de Abril de 2023 e em outros documentos e fontes é possível retirar algumas conclusões sobre os pontos fortes e fracos das VKS (Forças Aeroespaciais da Rússia) e analisar tácticas e procedimentos operacionais de fundo. Pelo menos, será possível desmistificar o mito, infinitamente repetido por veículos de informação (muito) mal informados, de que os Russos “ainda não usaram a Força Aérea” ou que só não o fazem por motivos humanitários. Irei fazer um pequeno resumo da linha temporal e das lições que se podem retirar até ao momento (ao longo de vários posts) apesar de faltar informação táctica mais detalhada sobre as operações russas e do seu ponto de vista operacional.


Poucos esperavam que os Força Aérea Ucraniana conseguisse resistir mais que quinze dias á enorme superioridade material dos oponentes Russos. Mas as deficiências de treino, equipamento e doutrina da herdados da União Soviética mostraram-se determinantes. Além de outro factor que os Russos não contavam de todo – a total determinação Ucraniana em defender o seu território e a sua liberdade.

Contra todas as expectativas dos militares e analistas ocidentais, as muito maiores, melhor equipadas e tecnologicamente mais evoluídas VKS foram incapazes de estabelecer superioridade aérea sobre os oponentes Ucranianos. O aspecto que mais influenciou a campanha aérea Russa foi o falhanço em encontrar, localizar e destruir o grosso dos sistemas de defesa anti-aérea inimigos. No final de 202, a Força Aérea Ucraniana continuava a operar um grande numero de baterias de “Buk” (SA-11), S-300 (SA-10) e “Gladiator” (SA-12) e o Exército mantinha também operacionais numerosos sistemas “Osa” (SA-8). O uso eficaz de todos estes sistemas negou á Rússia qualquer ambição de conquistar superioridade aérea nos céus da Ucrânia e, ainda hoje (Julho 2023), as VKS operam com muita cautela quando próximas das linhas da frente.


Foram os sistemas de defesa aérea de origem Soviética, como o S-300 e os Buk, que defenderam os céus da Ucrânia durante os primeiros meses da invasão. Apesar da interferência electrónica a que foram sujeitos, estes sistemas raramente estiveram fora de combate por mais de 24 horas.

Apesar da enorme superioridade material e de recursos em favor das VKS no domínio aéreo a tarefa de missões SEAD/DEAD (supressão/destruição de defesas anti-aéreas) era significativo. A Ucrânia começou a guerra com um arsenal impressionante; três brigadas e três regimentos de S-300, uma brigada de S-300V “Gladiator” e pelo menos duas brigadas de “Buk” – além de mais de 100 SA-8 operados pelo exército. Ao contrário do que aconteceu no domínio terrestre, onde recebeu vastas quantidades de equipamentos de nações aliadas ainda antes da invasão, no domínio da defesa aérea a Ucrânia defendeu em grande parte o seu território com as suas próprias armas até Outubro de 2022. No entanto, durante os primeiros meses da invasão, a Ucrânia recebeu milhares de mísseis Stinger de curto alcance. Tornaram-se rapidamente uma séria ameaça para as aeronaves Russas a baixa altitude, juntamente com os stocks de mísseis “Igla” e “Strela”. Mas foram os S-300 e SA-11 que obrigaram os russos a voar mais baixo, dentro do envelope de tiro destes MANPADS. A partir de Outubro de 2022 os sistemas IRIS-T, Gepard e NASAMS foram sendo introduzidos e tornaram-se vitais para enfrentar a ameaça dos mísseis cruise e drones russos.


Os MANPADS, como os Stinger e Igla, tornaram os voos a baixa altitude um risco incomportável para as VKS. Mas foi o facto da defesa Ucraniana ter conseguido manter a integridade dos sistemas de médio/longo alcance que obrigou os Russos a procurar refúgio (sem sucesso) em voos a menores altitudes.

Com o intuito de neutralizar o sistema anti-aéreo Ucraniano, os Russos iniciaram a invasão com uma campanha SEAD que incluía alguns elementos DEAD. A primeira foi muito mas eficaz que a segunda. Na manhã de 24 de Fevereiro de 2022, bombardeiros Tu-95MS e Tu-160 lançaram vagas de mísseis cruise Kh-101 e Kh-555 coordenados com o lançamento de mísseis Kalibr a partir de navios no Mar Negro e mísseis balísticos Iskander lançados de terra. Por outras palavras, os Russos sincronizaram fogos de precisão múltiplos de longo alcance num plano unificado – uma doutrina essencial da estratégia Soviética. Estes ataques foram acompanhados por missões de guerra electrónica e interferência dos sistemas de radar e comunicações Ucranianos - muitos sistemas de mísseis e radares ficaram efectivamente “cegos” durante as primeiras horas da invasão. Em alguns casos foi necessário substituir componentes e executar múltiplos “resets totais” para voltar a ligar as baterias ao comando central. A Rússia foi capaz de empregar o seu vasto conhecimento dos sistemas SA-10/SA-12/SA-11/SA-8, dado que todos eles se originam da antiga união Soviética e continuam a ser usados pelas próprias forças Russas. No entanto, ao longo dos anos, os Ucranianos melhoraram e aperfeiçoaram muito do hardware e software destas armas – o que levou a que os danos permanentes dos ataques electrónicos provocassem muito menos contratempos do que o esperado pelos Russos.

Poder Aéreo Russo na Invasão da Ucrânia – Factos e Mitos (Parte 2)

Retomando a linha do tempo da invasão, é importante salientar que os Russos demonstraram ter conhecimento pormenorizado do sistema de defesa aérea Ucraniano. Nos primeiros dias 75% dos sistemas anti-aéreos foram atacados – electronicamente ou com ataques aéreos. Crucialmente, o Comando Ucraniano recebeu intelligence detalhada de parceiros externos (leia-se NSA, CIA e MI6) sobre a iminente invasão russa e, por conseguinte, a maioria das baterias móveis de lançamento de mísseis foi evacuada antes dos ataques. No entanto, nas zonas de Kherson e Zaporizhzhia as baterias de SA-10 e SA-3 que não foram recolocadas atempadamente sofreram danos extensos.


Os Ucranianos evacuaram a maioria das posições de mísseis horas antes do início da invasão. Algumas baterias com menor mobilidade, como a bateria de S-300 da foto, foram fortemente atingidas. Mesmo assim, o impacto da grelha de defesa Ucraniano foi relativamente pequeno e apenas temporário.

Imediatamente a seguir ás vagas de mísseis cruise e balísticos lançadas contra o sistema integrado de defesa aérea Ucraniano, aviões de ataque Sukhoi Su-34 “Fullback” executaram várias dezenas de ataques contra as posições de mísseis e radares até 300km dentro do espaço aéreo Ucraniano, especialmente nos corredores aéreos usados pelas formações de helicópteros carregadas com tropas das VDV e Spetznaz rumo ao aeroporto de Hostomel e outros objectivos. Certa de 75% das missões dos Su-34 foram singulares, com a maioria das restantes 25% cumpridas por pares de aviões – nunca em formações maiores. As armas usadas mais comuns foram simples bombas não guiadas, lançadas de altitudes a rondar os 4000 metros. Tal como os ataques com mísseis cruise/balísticos, estes bombardeamentos aéreos revelaram boa precisão mas, como explicado acima, as posições Ucranianas atacadas tinham sido evacuadas horas antes. Isto leva-nos a outra fragilidade do poder aéreo Russo – fraco reconhecimento e análise de danos. Raramente as VKS ordenaram segunda vaga de ataques aos mesmos alvos, apesar da evidente ineficácia dos ataques iniciais.


O Sukhoi Su-34 “Fullback” foi o avião mais utilizado em missões de penetração na Ucrânia. Dificuldades de treino de pilotos e a herança doutrinal Soviética impediram que as VKS aproveitassem o seu potencial.

Conclui-se que o maior factor limitativo das VKS na campanha de bombardeamento inicial foi a dificuldade em se adaptarem rapidamente às movimentações e reposicionamentos das defesas terrestres Ucranianas. Por outras palavras a “kill-chain” (localização de alvos, identificação dos mesmos, planeamento da missão, execução da mesma e análise posterior dos resultados) foi, e continua a ser, lenta e ineficiente. Isto apesar da extensa preparação anterior á invasão em detectar e identificar as posições de lançamento de mísseis anti-aéreos e radares. Este processo foi ajudado por fontes de “intelligence humana” – é agora sabido que os Russos inseriram agentes e simpatizantes na hierarquia militar Ucraniana ao longo de anos vários. Só nas semanas e meses após o início da guerra foi possível aos Serviços de Segurança Ucranianos (SBU) detectar e neutralizar essas ameaças internas.

A campanha SEAD no início da invasão bloqueou a defesa aérea de longo alcance Ucraniana e permitiu o ataque aerotransportado a Hostomel. Mesmo assim, os mísseis de curto alcance Stinger e Igla e fogo de armas ligeiras custaram aos Russos baixas tenebrosas em homens e material.

Ao analisar o esforço SEAD/DEAD inicial dos Russos, os danos físicos foram limitados e não alcançaram o efeito DEAD que as presunções planeadas exigiam. Por outro lado, os ataques de mísseis e aéreos e interferência electrónica forçaram os Ucranianos a recolocarem os seus meios repetidamente. No seu conjunto, estas acções criaram um efeito SEAD que abriu caminho ás duas vagas de helicópteros até ao assalto a Hostomel e outras localidades. As rotas utilizadas por estes helicópteros deveriam estar defendidas por vários sistemas anti-aéreos Ucranianos – afinal de contas, era a rota directa em direcção a Kyiv. Colectivamente, o esforço SEAD Russo foi bem sucedido, dado que forçou a Força Aérea Ucraniana a usar os seus caças para defender o território, expondo-os, por sua vez, aos caças e mísseis de longo alcance Russos. Veremos isso na próxima parte.

Poder Aéreo Russo na Invasão da Ucrânia – Factos e Mitos (Parte 3)

As patrulhas de caças foram outra área de comparativo sucesso para as VKS nos dias iniciais da invasão. Enquanto os Sukhoi Su-34 executavam missões de ataque e interdição na retaguarda Ucraniana (com poucos efeitos físicos como vimos na parte anterior) caças polivalentes Su-30SM e Su-35S conduziam patrulhas aéreas (CAP – Combat Air Patrol) independentes a grande altitude, a cerca de 8000 metros. Quando estas patrulhas entraram em combate com aviões Ucranianos os resultados foram desiguais. Conforme fontes independentes, como a Oryx, a Força Aérea Ucraniana sofreu perdas significativas na primeira semana devido á acção destes caças russos mas também contra SAMs (mísseis anti-aéreos de longo alcance).


O Sukhoi Su-35S Flanker Russo, embora pouco mencionado, tem exercido um controlo efectivo dos céus nas áreas ocupadas. Equipado com um excelente radar longo alcance e mísseis de radar activo, os Su-35 abateram vários caças Ucranianos nas fases iniciais da invasão.

A performance do radar e mísseis dos Su-35S e Su-30SM têm-se revelado digna de nota. Os radares N035 Irbis-E e N110M Bars-M dos respectivos caças permitem-lhes uma enorme vantagem frente aos MiG-29 e Su-27 Ucranianos equipados com sistemas inferiores; cinco vezes o alcance efectivo, maior flexibilidade táctica da capacidade TWS (track-while-scan) e maior habilidade de “queimar” através da interferência electrónica inimiga. Ambos os radares mostraram bons resultados em contactos “look-down, shoot-down” contra aviões em voo a muito baixa altitude, helicópteros e UAVs que tentam se mascarar com os retornos de radar de terra (ground clutter). Além dos Su-35S e Su-30SM, também o Su-34 têm sido visto com os pods de guerra electrónica L-175 “Khibiny”, eficazes a perturbar comunicações e ondas de radar inimigas – embora também diminuam a performance de radar do avião transportador.

Além dos radares superiores, o míssil de médio alcance AA-12B “Adder” (equipado com radar activo) permitiu aos pilotos Russos alvejarem os oponentes Ucranianos a uma distância muito superior e sem sacrificar a visão táctica geral (situational awareness). Cabe aqui explicar brevemente a vantagem do modo de radar TWS - muito de vós sabem o que é, mas outros não, e todos aprendemos coisas novas todos os dias. Um radar dito “normal”, ou mais simples, procura alvos no modo “search” mas quando um alvo é seleccionado ou adquirido (“track” ou “lock”) toda a energia do radar concentra-se nesse alvo e já não “vê” mais nada á frente. No modo TWS, conforme o nome sugere, o radar faz as duas coisas simultaneamente; mantém a capacidade de procurar alvos enquanto selecciona outros para atacar com mísseis. Isto é possível porque o radar está associado a um CPU que coloca na “memória” todos os alvos e alterna e actualiza a informação constantemente em milissegundos.


O míssil AA-12B “Adder” (R-77) é a arma principal dos Su-30SM e Su-35S. O longo alcance, fenomenal manobralidade, mesmo nos estágios finais de voo, junto com a navegação inercial e radar activo na fase final tornam esta arma letal e difícil de contrariar. Quando aliado com os modos TWS do radar Irbis-E (ou Bars-M), que exploram bem a vertente “stealth” do míssil, tornam-no ainda mais perigoso.

Em termos práticos esta capacidade também permite aos Russos disparar vários mísseis AA-12B (contra diferentes alvos) e quando o radar activo destes entra em funcionamento na fase terminal, o caça russo pode mudar totalmente de direcção, mantendo vantagem posicional, e defender-se melhor de qualquer ataque Ucraniano. Além disso, quando atacados em modo TWS, os aviões Ucranianos dificilmente se aperceberão se estão a ser apenas “rastreados” (modo “busca” ou “search”) ou se um míssil Russo já vem a caminho (“track”). Só quando o AA-12B entrar em modo activo os sistemas de ECM do avião Ucraniano detectarão a ameaça – geralmente demasiado tarde. Em contraste, além dos pilotos Ucranianos terem de se aproximar mais do alvo e iluminá-lo em modo “single-track” para disparar um míssil semi-activo R-27, são obrigados a continuar a voar em direcção ao inimigo – para que o radar ilumine o alvo até ao momento do impacto. Pior ainda, a concentração de energia do radar em modo “single-track” vai despertar os sensores de ECM dos aviões Russos, que irão manobrar violentamente e/ou disparar um AA-12B em retorno. Sim, os pilotos Ucranianos tiveram uma luta extremamente difícil nos primeiros dias.


Durante vários meses os Ucranianos não dispuseram de armas capazes de neutralizar com confiança os caças de longo alcance Russos. Em resultado, a presença da Força Aérea Ucraniana perto das linhas da frente, em missões de apoio próximo ou ataque, têm sido fortemente condicionada. Mas no sistema MIM-104 Patriot os Ucranianos encontraram uma arma com o alcance e tecnologia para contrariar a superioridade dos Su-35/Su-30 – vários abates foram confirmados, alguns ainda dentro de território Russo. Com a chegada dos F-16, ou outro caça moderno, a resposta Ucraniana será ainda mais consistente.

Dada a superioridade tecnológica dos caças Russos, junto com a ameaça de mísseis anti-aéreos de longo alcance, além da consistente inferioridade numérica no ar, os caças Ucranianos foram forçados a voar a altitudes muito baixas, usando o terreno para ocultar os movimentos e evitar a detecção inimiga. No entanto isto acarretou mais problemas para os defensores; mísseis disparados de baixa altitude (por exemplo, um Su-27 Ucraniano) contra um avião opositor (Su-30SM Russo) tem de superar o arrasto aerodinâmico do ar mais denso das altitudes baixas e lutar ainda contra a gravidade na subida. No extremo oposto, o caça Russo, da sua posição táctica privilegiada a grande altitude, ainda usufruiu da vantagem de disparar de “cima-para-baixo”, maximizando o alcance e a energia cinética dos seus mísseis.

Agora percebemos porque os Ucranianos, desde muito cedo na guerra, desesperam tanto por caças F-16 equipados com AMRAAM…

Poder Aéreo Russo na Invasão da Ucrânia – Factos e Mitos (Parte 4)

O insucesso da campanha DEAD contra os sistemas anti-aéreos móveis Ucranianos resultou em pesadas baixas em aviões e helicópteros Russos a partir do terceiro dia da invasão e afastou as patrulhas de caças para longe das fronteiras - e para maiores altitudes. Mesmo assim, o alcance dos radares e mísseis dos Su-35S e Su-30SM continuaram a ameaçar seriamente qualquer avião, helicóptero ou UAV Bayraktar Ucraniano perto das frentes de combate, mesmo quando estes se refugiavam em voos a baixa altitude. Em resposta às defesas anti-aéreas Ucranianas os Russos, a partir de Setembro de 2022, aumentaram significativamente o uso do míssil pesado de longo alcance R-37 (AA-13 “Axehead”), lançado a partir de MiG-31BM e Su-35S modificados. Com o decorrer dos meses os Ucranianos notaram também uma melhor coordenação entre as patrulhas de caças Russas e os AWACS A-50U e aviões de vigilância electrónica Il-20. Desta forma, as VKS, apesar de não conseguirem alcançar superioridade aérea no território Ucraniano (longe disso) tem conseguido negar essa mesma liberdade de movimentos á Força Aérea Ucraniana – situação que se mantém até ao dia de hoje.


A combinação MiG-31BM “Foxhound” e o míssil de longo alcance R-37 tem obrigado os Ucranianos a manter os seus aviões no chão ou (bem) longe das linhas da frente. O alcance efectivo de mais de 200km, a alta velocidade e a capacidade de atingir alvos a baixa altitude tornam esta arma particularmente difícil de evadir – na NATO este míssil era conhecido como o “AWACS killer”. Segundo os Ucranianos, o R-37 não tem abatido muitos dos seus aviões mas forçam o abandono de missões (por vezes os pilotos são obrigados a ejectar todas as armas para executar manobras violentas de evasão) e impedem o apoio directo ás tropas da linha da frente.

Por outro lado, a área onde as VKS tem falhado redondamente desde o início da invasão, foi em prover apoio aéreo próximo dinâmico eficaz (Close Air Support – CAS) ás unidades Russas no terreno. Assim que ficou claro que o plano inicial de decapitar a liderança política, militar e de segurança Ucranianas (e compelir a rápida rendição das maiores cidades através da ameaça de cercos) tinha falhado, as forças Russas foram forçadas a se adaptarem rapidamente á nova realidade – e isto debaixo de fogo da inesperada, e formidável, resistência Ucraniana. Em consequência, os regimentos de aviões de ataque e helicópteros de cada distrito das VKS foram incumbidos de apoiar as forças terrestres Russas nos vários eixos de penetração na Ucrânia a partir do início de Março de 2022. No entanto, por esta altura o sistema integrado de defesa anti-aérea Ucraniano já estava devidamente deslocalizado e operacional na maioria do território, o que tornou as missões aéreas diurnas Russas extremamente perigosas. Devido a essas baixas, os Russos alteraram o perfil das missões para muito baixa altitude, usando essencialmente bombas simples e foguetes, até ao final de Março. Estes ataques, no entanto, não produziram resultados significativos porque é extremamente difícil encontrar, identificar e atingir com precisão alvos pequenos e bem camuflados num terreno denso e a baixa altitude. A estas altitudes, os pilotos só dispõem de uns poucos segundos de visão directa para um determinado alvo e só conseguem executar uma passagem – a não ser que sejam suficientemente corajosos (ou loucos) para tentarem desbravar novamente as defesas anti-aéreas do mesmo alvo, agora totalmente alerta e repleto de, muito irritados, Ucranianos. Além do mais, fora da comunidade dos Sukhoi Su-25 “Frogfoot”, poucos pilotos Russos tinham qualquer treino significativo em missões CAS a baixa altitude em espaço aéreo contestado, dado que nunca fez parte da instrução no período anterior á invasão.

Os MANPADS como o “Igla”, Stinger ou Starstreak devastaram as frotas de helicópteros Russas nas primeiras semanas da invasão. Menos dependentes de controlo central, extremamente móveis e usando tácticas de infiltração perto das linhas da frente, as equipas especializadas Ucranianas “semearam” o território com destroços de aeronaves Russas.

Em troco de danos muito limitados nas posições Ucranianas, estas missões CAS Russas sofreram pesadas baixas em aviões e helicópteros – 10 aviões e um numero similar de helicópteros foram abatidos só na primeira semana de Março, por exemplo. Voar abaixo dos 3000 metros e obrigados a orbitar em busca de alvos, deixou os pilotos destas missões muito vulneráveis aos MANPADS “Igla” e Stinger, transportados por equipas móveis Ucranianas. Sem surpresas, depois de uma semana, as VKS cessaram as penetrações diurnas a baixa altitude. Em vez disso, as missões CAS mudaram para bombardeamentos á distancia (“loft” ou “toss bombing”) com foguetes não-guiados S-13 de 130mm ou S-8 de 80mm (Su-25 ou helicópteros) ou com ataques de mísseis Kh-29 (Su-34 ou Su-30). Em acrescento, as aeronaves melhor equipadas e com os pilotos mais experientes foram encarregues de missões nocturnas a baixa altitude. Os Kamov Ka-52 usaram as tradicionais equipas “hunter-killer” em ataques com mísseis ATGM e os Su-34 “Fullback” largavam, quase exclusivamente, grandes quantidades de bombas simples em alvos cercados como as cidades de Chernihiv, Sumy, Kharkiv e Mariupol. Mas, assim que as equipas de MANPADS Ucranianas foram equipadas com óculos de visão nocturna eficazes, mesmo estas missões nocturnas tiveram de ser reduzidas drasticamente. Assim, a partir de Abril de 2022, os Russos praticamente desistiram de penetrar com aviões ou helicópteros o espaço aéreo em território inimigo.

Obrigados a voar extremamente baixo - neste vídeo vemos Su-34 “Fullback” em ataques a Kharkyv - as missões CAS Russas viram-se limitadas em eficácia e produtividade. As defesas de longo alcance forçavam os Russos a procurar altitudes mais baixas que, por sua vez, os deixaram vulneráveis aos letais MANPADS.

Poder Aéreo Russo na Invasão da Ucrânia – Factos e Mitos (Parte 5)

Após o falhanço e conseguinte retirada da ofensiva Russa sobre Kyiv, as tácticas e padrões de apoio aéreo próximo das VKS não se alteraram. Nas batalhas seguintes no Donbass, em Kherson e na zona de Kharkyv, o grosso das missões de ataque consistiram em lançamentos de foguetes por aviões Su-25 “Frogfoot” e helicópteros Ka-52 “Alligator”, Mi-28 “Havoc” e Mi-24 “Hind”. Estes bombardeamentos “á distância” (“loft” ou “toss bombing”) produzem um efeito semelhante ao sistema de artilharia “Grad” de 122mm – atingem uma zona com fogo supressivo contra tropas e veículos ligeiros em campo aberto, ou obrigam tropas inimigas a manterem-se em posições defensivas, mas não possuem precisão ou regularidade (persistência) de combate suficiente para neutralizar o inimigo.

Este vídeo é um retrato da superioridade das defesas anti-aéreas na Ucrânia. Helicópteros de ataque modernos, como os Ka-52 “Alligator” e Mi-28 “Havoc” lançam rockets estilo “toss bombing”, lançam flares e executam de imediato uma curva de 180º sem nunca se aproximarem sequer das linhas inimigas. A ameaça dos mísseis anti-aéreos não permite arriscar mais e, verdade seja dita, os Ucranianos também têm sido forçados a usar a mesma manobra.

A ameaça das defesas anti-aéreas Ucranianas fez com que os ataques aéreos Russos contra posições estáticas, como centros de comando e controlo e concentrações logísticas, ficassem a cargo, primariamente, de mísseis de precisão, como o Kh-29 (e algumas bombas KAB guiadas por satélite) lançados por Su-34 “Fullback” e, por vezes, Su-30SM desde médias altitudes e bem longe das frentes de combate. Este tipo de ataques será melhor descrito como interdição do campo de batalha do que missões CAS tradicionais, onde o contacto e cooperação com as forças amigas no terreno são mais (muito mais) directos e os efeitos mais instantâneos. Uma mudança mais recente ocorreu desde Outubro-Novembro de 2022 quando se observaram vários ataques de Su-34 na frente de combate a baixa altitude com o recurso a simples bombas simples de gravidade. Isto sugere uma clara escassez de munições de precisão, dado que o perigo dos MANPADS, e mesmo da artilharia anti-aérea ligeira, é muito elevado e, quer as chefias, quer os pilotos das VKS, prefeririam, sem dúvida, evitar tais riscos se de todo possível. Em termos de perdas materiais em missões CAS, as VKS perderam (até Março 2023) 20 Su-34 de uma frota de aproximadamente 130 no início da invasão e 30 Su-25 de uma frota de cerca de 120. Quando aos helicópteros de ataque, as perdas confirmadas incluem 33 Ka-52 “Alligators” e 11 Mi-28 “Havoc”, de frotas de cerca de 120 em ambos os casos. Por outras palavras, as VKS sofreram perdas sérias em aviões e helicópteros (sem falar nos valiosos e insubstituíveis pilotos) contra poucos resultados práticos no terreno.

Mesmo para aviões especializados em CAS, como o Su-25 “Frogfoot”, as missões a baixa altitude acarretam perigos extremos. Além da dificuldade em identificar (e atacar) pequenos alvos bem camuflados em terrenos com densa vegetação, a ameaça dos MANPADS está sempre presente.

Em conclusão, a avaliação da acção das VKS na Ucrânia é, na maioria dos casos, medíocre. Tem funcionado relativamente bem nas funções defensivas de longo alcance e contra a aviação Ucraniana (defensive/offensive counter-air) e nos ataques estratégicos com mísseis cruise a partir de bombardeiros pesados. Estes ataques, em combinação com ataques navais e mísseis baseados em terra (como o Iskander), criaram um efeito SEAD nas defesas Ucranianas nos primeiros dias da invasão. Desde então, estes ataques tem continuado a causar alguns danos na logística Ucraniana mas, especialmente, na infra-estrutura civil. Por outro lado, as VKS provaram ser incapazes de efectuar missões de apoio às forças terrestres (CAS), missões de interdição de médio-longo alcance ou de neutralizar as defesas anti-aéreas. Todas estas deficiências surgem, primariamente, da incapacidade de localizar, identificar e atacar com precisão alvos móveis em espaço aéreo contestado com regularidade. Em conjunto, o falhanço da campanha DEAD e a inexistência de apoio próximo eficaz às tropas do terreno têm impedido as VKS de serem decisivas na Ucrânia.


Esta ilustração retrata o primeiro Su-25 “Frogfoot” Russo perdido na Ucrânia. Logo no primeiro dia da invasão, em 24 de Fevereiro, sofreu danos de combate e despenhou-se no caminho para a base, já dentro de território Russo, resultando na morte do piloto. Não seria o último.

A Força Aérea Ucraniana também sofre de alguns dos males acima descritos. Por um lado, tem acesso a intelligence de localização de alvos e reconhecimento electrónico de grande qualidade e precisão (obrigado, NATO) mas falta-lhe meios aéreos adequados com capacidade de executar as missões de interdição e CAS em espaço aéreo coberto pelas defesas anti-aéreas e caças Russos. Por conseguinte, os Ucranianos também têm recorrido aos pouco eficazes bombardeamentos “á distância” com rockets – tal como os Russos, os resultados têm sido desinspiradores. Outra área onde a Força Aérea Ucraniana têm emulado os inimigos das VKS é nos lançamentos de mísseis cruise de longa distância, neste caso, com os Storm Shadow lançados de Sukhoi Su-24 “Fencer”. Assim, em termos de guerra aérea, a situação na Ucrânia mantêm-se num impasse (que dura há meses); as defesas anti-aéreas têm-se revelado mais fortes, persistentes e eficazes, relegando a aviação de ambos os lados para um papel secundário.

Poder Aéreo Russo na Invasão da Ucrânia – Factos e Mitos (Parte 6) (Penúltima)

O aspecto mais significativo do falhanço das VKS na Ucrânia, e geralmente negligenciado pelos analistas antes da invasão, foi a incapacidade dos pilotos Russos e do pessoal de terra em planear, organizar e executar aquilo que a NATO designa como COMAOs (Composite Air Operations). Em termos genéricos significa missões compostas por múltiplos tipos de aeronaves, em acções coordenadas, com objectivos militares específicos (local e tempos de execução) e que envolvem 20 a 100 aviões/helicópteros.


As COMAOs, centrais na forma como os EUA e a NATO usam o poder aéreo, envolve coordenação complexa entre meios de combate e meios de apoio. Aqui vemos bombardeiros B-1B a serem reabastecidos em voo enquanto alguns Gripen esperam pela sua vez.

As VKS iniciaram a invasão com cerca de 400 aviões polivalentes genuinamente modernos (Su-35S, Su-30SM e Su-34) e 300 aviões mais antigos mas modernizados (Su-25SM, MiG-31BM e MiG-29SMT). Por conseguinte, muitos analistas simplesmente assumiram que estas frotas impressionantes seriam empregues em missões COMAO - compensando as deficiências e potenciando as vantagens de cada aeronave numa força combinada. Esta presunção cristalizou apesar das VKS nunca terem demonstrado verdadeiramente essas capacidades na prática. Por exemplo, na Síria, a vasta maioria das missões Russas foram executadas por apenas um ou dois aviões, geralmente em patrulhas de caça ou no lançamento de bombas simples de média altitude. O treino nas VKS são quase sempre exercícios em pequenas formações que envolvem simples voos de navegação, lançamento de armas não guiadas em campos de tiro e intercepções controladas por terra – uma herança dos tempos da URSS. Além disso, o típico piloto Russo acumulava 80-100 de voo por ano antes da invasão e os regimentos da VKS não tem acesso a simuladores modernos que as Forças Aéreas Ocidentais usam cada vez mais para treinos “sintéticos” complexos. Quando vistos em conjunto, estes factores explicam a incapacidade das VKS em executarem COMAOs.


Coordenar elementos diversos de múltiplas Forças Aéreas da NATO (e de outros aliados) exige treinos constantes e realistas – como o TLP (Tactical Leadership Programme) e outras iniciativas semelhantes.

As COMAOs são críticas na forma como os EUA e a NATO utilizam poder aéreo em espaço contestado. Ao combinar caças polivalentes em missões de caça ofensiva e defensiva, aviões de alerta antecipado (AWACS) e apoio electrónico, aviões de reabastecimento com meios de perturbação electrónica (EA-18G ou Tornado ECR), capacidade DEAD e os sempre presentes meios CSAR, é possível criar uma força com uma capacidade agregada muito superior ao que a soma das partes poderia sugerir. Mas executar missões complexas deste género, contra um inimigo capaz, exige instrutores e pilotos líderes de formação altamente experientes e qualificados a nível de esquadrão para planear, informar o briefing, liderar e recapitular num debriefing detalhado tudo o que se passou (de bem e de mal) após cada missão. Cada piloto tem se ser capaz de adaptar rotas, calcular perfis de combustível, planear as comunicações e decidir “em cima do joelho” quando surge alguma coisa inesperada – seja acção inimiga, falha mecânica ou mau tempo. E, mais importante, após tudo isto, tem de ser capaz de cumprir o objectivo que lhe foi designado – no local certo e á hora certa. Este tipo de piloto não se treina de um dia para o outro – tem de fazer parte do ADN do treino de uma Força Aérea e exige exercícios constantes e realistas.


Nesta ilustração evocativa dos tempos da guerra fria, vemos dois F-16 a serem perseguidos por SAMs soviéticos. A doutrina das forças do Pacto de Varsóvia assentava numa defesa anti-aérea robusta, com múltiplas camadas e coordenada centralmente – a ameaça da aviação da NATO assim o exigia.

Em termos simples, as VKS nunca treinaram os pilotos para operar da mesma forma como a RAF, USAF, Luftwaffe ou outras Forças Aéreas da NATO fazem há décadas. Os Russos privilegiam missões mais específicas, em pequenas formações e com comando e controlo apertado. Assim compreendemos melhor porque as VKS foram incapazes de combinar eficazmente missões de caça com o esforço SEAD/DEAD e com as missões de ataque na invasão da Ucrânia. Mas nada disto deveria constituir uma surpresa – é a doutrina tradicional do papel das VKS dentro das Forças Armadas Russas. Desde o início da guerra fria o bloco Soviético tem apostado numa extensa e integrada rede de defesas anti-aéreas terrestres para enfrentar o superior poderio tecnológico da aviação da NATO. A eficácia devastadora das Forças Aéreas da NATO ficou demonstrada nos vários conflitos de baixa e média intensidade desde os anos 90. Sem surpresas, a Rússia têm investido boa parte dos recursos financeiros e tecnológicos em defesas anti-áreas – e ajustado a doutrina operacional de acordo. Em contra-ciclo, a NATO tem desinvestido em defesas anti-aéreas modernas desde o fim da guerra fria – mesmo sistemas como o Patriot PAC-3 e o THAAD são optimizados para defesa contra mísseis balísticos. A conclusão de tudo isto, é que o inimigo “tradicional” e doutrinal das VKS, e para o qual se prepararam e treinaram durante décadas, eram as Forças Aéreas da NATO enquanto na Ucrânia enfrentaram um sistema anti-aéreo robusto (nas mesmas linhas Soviéticas) para o qual não estavam preparados – principalmente na capacidade SEAD/DEAD.

Poder Aéreo Russo na Invasão da Ucrânia – Factos e Mitos (Parte 7) (Última)

Terminamos esta breve análise á participação das VKS na Ucrânia por destacar as deficiências nas missões de apoio aéreo próximo (CAS) e interdição do campo de batalha. A conclusão é de que as limitações Russas não deveriam ser surpreendentes devido á bem conhecida ausência de “pods” de aquisição de alvos (targeting pods) laser/GLONASS em comparação com as Forças Aéreas Ocidentais. “Pods” modernos como o Litening III ou Sniper são vitais para as tácticas CAS da NATO/US. Equipados com sensores multi-espectrais estabilizados, permitem vigiar, identificar, fixar e atacar alvos de uma distância suficientemente segura para evitar a ameaça dos letais MANPADS. A indústria Russa, apesar de ter desenvolvido alguns protótipos de “pods” para potenciais clientes de exportação, tem sido incapaz de os fornecer em número para as próprias VKS.


O Sukhoi Su-24M “Fencer” baseia a capacidade óptica de ataque no sistema Kaira-24 (seta laranja na foto) localizado na “barriga” do avião. A câmara EO possui modos de contraste e intensificação para melhorar a aquisição de alvos em condições de baixa visibilidade e/ou pouca iluminação (uma substituição muito pobre para a ausência de visão térmica). Tem dois campos de visão – um para procura e um segundo, com cerca de 3x zoom, para identificação de alvos. A distância média de detecção, para um alvo do tamanho de um MBT, é de 5km - especificações muito aquém das capacidades mínimas dos sistemas Ocidentais.

Como avião de ataque dedicado, o Sukhoi Su-34 “Fullback” possui um sensor electro-óptico retráctil com designador laser chamado Platan, mas este sistema fornece um campo de visão (field of view) muito limitado e não inclui capacidade térmica para operações nocturnas ou com mau tempo. O sensor fixo SOLT-25 do Sukhoi Su-25SM3 “Frogfoot” ou o Kaira-24 retráctil do Sukhoi Su-24M “Fencer” oferecem campos de visão ainda mais limitados – o SOLT-25 pelo menos dispõem de capacidade infravermelha. Além dessa desvantagem, os sistemas Russos tem estabilização e capacidade de zoom significativamente inferiores quando comparados com sistemas Ocidentais, o que limita ainda mais a habilidade dos pilotos em encontrar e adquirir alvos no campo de batalha a uma distância segura. O que isto significa na prática, é que mesmo os aviões de ataque dedicados são forçados a voar directamente para a zona de combate enquanto tentam localizar, identificar e fixar posições Ucranianas bem camufladas enquanto usam sensores com capacidade em mau tempo limitada, estabilização pobre e resolução/zoom insuficiente – o que obriga, por sua vez, a aproximarem-se demasiado dos alvos. Disto resulta uma grande pressão e maior carga de trabalho no cockpit dos pilotos Russos e um perfil de voo que vai aumentar ainda mais a vulnerabilidade frente ás defesas anti-aéreas. E para aviões de ataque não dedicados, como os Sukhoi Su-35S ou Su-30SM, a situação é ainda pior. Para atacar um alvo que não seja devidamente visível no radar ou sem coordenadas precisas GPS/GLONASS, estes aviões, que não possuem sensores electro-ópticos internos, tem de recorrer aos sensores dos próprios mísseis que transportam (por exemplo, o Kh-29T “Kedge”) para localizar e atacar alvos. Estes sensores, pela sua natureza, são muito mais limitados em termos de custo, espaço, peso e potência quando comparados com sensores equivalentes instalados em aviões ou em “pods” dedicados, portanto oferecem pior resolução de imagem, zoom e estabilização – além disso, o limite de campo de visão é ainda mais ”estrito” quando comparado com sistemas (já de si limitados) como o Platan ou SOLT-25.


O sucessor do “Fencer”, o Su-34 “Fullback”, também incorpora um sensor EO/laser ventral, designado como Platan, mas é apenas adequado para uso a médias altitudes devido ao reduzido campo de visão. Conforme vemos nas fotos acima e abaixo, o sistema é retráctil para proteger as ópticas e só se expõem quando estritamente necessário. Quando a Força Aérea da Malásia escolheu o Su-30MKM “Flanker” optou pelo “pod” de aquisição de alvos Damocles da Thales, muito superior a qualquer sistema oferecido pelos Russos. Desde então a Rússia têm cortejado os Franceses para fabricar esse “pod” sob licença para equipar os seus próprios Su-30 e Su-34.

Na Síria, muitas destas limitações eram mitigadas pelo facto das VKS operarem a média altitude, fora do alcance dos MANPADS, dando tempo aos pilotos para encontrar, localizar e atingir alvos. Mesmo assim, a maioria das munições usadas foram bombas simples (não guiadas) e os alvos resumiam-se a posições fixas em áreas urbanas cercadas – totalmente diferente do cenário na Ucrânia, com alvos pequenos, móveis, bem camuflados e protegidos. O sucesso da campanha aérea na Síria assentou no facto da oposição não ter forma de contestar o controlo dos céus e, por conseguinte, encontravam muitas dificuldades em segurar território debaixo de bombardeamentos e com pouca capacidade de manobra. Na Ucrânia, a incapacidade das VKS em destruir os sistemas SAM móveis impediu-os de operarem a média-alta altitude além das linhas da frente, e a vulnerabilidade aos MANPADS tornou os ataques repetidos a baixa altitude demasiado perigosos. Neste contexto, as limitações técnicas dos Russos, junto com o treino insuficiente dos pilotos, explicam o falhanço na condução de missões CAS e interdição efectivas. Estes impedimentos decorrem, não de insuficiências tecnológicas, mas pelo facto da doutrina militar Russa, como um todo, confiar no uso de artilharia em massa, assaltos mecanizados e fogos de precisão baseados em terra como táctica (a nível operacional) para assegurar letalidade no campo de batalha – o apoio aéreo e interdição surgem como actores secundários. Por conseguinte, a Rússia não investiu fortemente no tipo de sensores, aviões e treino de pilotos que as Forças Aéreas Ocidentais dão por garantido, depois de décadas de campanhas contra-insurreição e manutenção de paz, onde o poder aéreo assegurou o grosso do poder de fogo.